Lima Barreto - altamente inovador. E quase desconhecido

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Jornal da Tarde, 1981/5/9. Aguardando revisão.

“Nasci sem dinheiro, mulato e livre”

Lima Barreto

Apesar da excelente biografia de Lima Barreto que lhe dedicou o finíssimo crítico paulista Francisco Assis Barbosa (A Vida de Lima Barreto, Livraria José Olympio/MEC Editora, coleção Documentos Brasileiros), o destino trágico e a literatura profundamente inovadora do escritor carioca continuam quase desconhecidos no Brasil.

Ofuscado por Machado de Assis, morto precocemente aos 41 anos de idade, no ano da Semana de Arte Moderna de São Paulo, 1922, Afondo Henriques de Lima Barreto desafia desde a sua geração a todos que queiram ter uma noção melhor do avanço da literatura brasileira, sem os “ismos” importados tardiamente para cá pelos revolucionários pândegos de 22 e sem a idolatria cega votada à Machado de Assis. Mulato como o autor de Quincas Borba, Lima Barreto não cultivou o pessimismo do seu contemporâneo nem se afastou da luta pelas liberdades civis e conquistas do operariado moderno. Sua vida, porém, nada tinha que o levasse a acreditar nos seres humanos, na sua bondade, na sua coragem. Talvez as artes no Brasil, desde Aleijadinho, não encerrem uma existência tão monstruosamente trágica a par de uma criação filosófica e estética superior e perpétua.

Lima Barreto foi vítima de inúmeros torpes inimigos simultâneos: o hipócrita, dissimulado preconceito racial que disfarça nossas castas étnicas sob o manto mentiroso de uma autêntica “democracia racial”; a pobreza aviltante da “carreira” de funcionalismo público a que esteve sempre precariamente atrelado; a mediocridade insuperável da inércia intelectual e cultural brasileira que tolhe, até em nossos dias, qualquer iniciativa tendente a alterar o status quo de incultíssima sonolência.

Como Monteiro Lobato, com quem manteve uma correspondência vivaz, Lima Barreto não se amoldou à pasmaceira de rigueur no campo do pensamento, da erudição, da pesquisa intelectual, das realizações artísticas, da audácia criativa cultural. Alcoólatra prematuro dos trinta anos de idade em diante, com o pai louco a seu cargo, um posto medíocre de amanuense como profissão, irrealizado no plano sentimental, tímido com as mulheres e saindo enojado de bordeis, Lima Barreto esboçou, porém, uma das mais geniais incursões no aprendizado solitário de um estilo literário entre nós. O Triste Fim de Policarpo Quaresma – possivelmente sua obra-prima - , Recordações do Escrivão Isaías Caminha e Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá trazem a marca do seu inconformismo múltiplo: contra o isolamento que o condenava o preconceito de cor, contra a miséria do deserto intelectual brasileira, contra os acadêmicos, ditadores, uma Igreja ladina e pusilânime, mestra em acrobacias de uma flexibilidade inacreditável da qual abusa sempre que passa de um “partido” político a outro, em defesa sempre de seus interesses: se eles penderem para a salvaguarda dos “humildes e ofendidos”, lépida, ela passará a ser seu “anjo protetor”, com a mesma agilidade com que antes se aliava peremptoriamente aos poderosos de cada um dos momentos da História.

Com tantos inimigos ao mesmo tempo e sem contemporizar com a boçalidade das suas manifestações – da imprensa estúpida e venal aos aduladores palacianos do momento -, não estranha que Lima Barreto tenha sucumbido, só e incompreendido até o fim. No entanto, nunca a literatura brasileira uniria espíritos tão díspares e singulares num só romancista: o autor de Policarpo Quaresma tem de Gogol a noção arraigadamente trágica da existência; de Sterne a ironia alegre; de Dickens o traço vigoroso que desenha uma caricatura humana sucinta e exemplar. A essas afinidades ele acrescentou uma brejeirice e uma doçura brasileiras que estabelecem o mais inesperado contraste com a sua vida e seus dissabores quase nunca mitigados por momentos de calma. Que calma poderia haver para quem tivera com única herança o apego à cultura e como encargo pesado o cuidado do pai, alienado mental mantido em casa? O único consolo era o da Arte, principalmente da Literatura que lhe permitia ombrear-se com os brancos ricos e ultrapassar o marasmo brasílico da cretinice endêmica neste país, e sem sintomas de melhora até hoje. Gentilíssimo de trato, ensimesmado, avesso a intimidades e obscenidades, Lima Barreto deixa um retrato verídico e sulfúrico dos balangandãs pseudocultos do brasileiro médio, que do alto de seus anéis de “doutores” com rubis falsos ria daquele passageiro mulato, mal vestido, solitário, que viajava no trem da Central do Brasil, rumo à repartição bocejante ou de volta à casa, filial do hospício:

“A presunção, o pedantismo, a arrogância e o desdém com que olhavam as minhas roupas desfiadas e verdoengas sacudiam-me os nervos e davam-me ânimos à revolta.

O brasileiro é vaidoso e guloso de títulos ocos e honrarias chochas. O seu ideal é ter distinções de anéis, de veneras, de condecorações, andar cheio de dourados, com o peito chamarré d’or, seja da Guarda Civil ou da atual segunda linha. Observem. Quanto mais modesta for a categoria do empregado – no subúrbio pelo menos - mais enfatuado ele se mostra. Um velho contínuo tem-se na conta de grande e imensa coisa, só pelo fato de ser funcionário do Estado, para carregar papeis de um lado para outro; e um simples terceiro oficial, que a isso chegou, por trapaças de transferências e artigos capciosos nas reformas, partindo de ‘servente adido à escrita’, limpa que nem um diretor notável, quando compra, se o faz, a passagem no guichê da estação. Empurra brutalmente os outros, olha com desdém os mal vestidos, bate nervosamente com os níqueis..”

Quase sem amigos, arredio, aquele moço sério, educado, passava o tempo disponível, depois do trabalho maçante de amanuense de uma Secretaria governamental, a frequentar a Biblioteca Nacional, naquele Rio de Janeiro que ainda era uma cidade provinciana, antes das reformas urbanas, da ação saneadora e heroica de Oswaldo Cruz. E para si próprio ele redige um “Curso de filosofia feito por Afonso Henriques de Lima Barreto, segundo artigos da Grande Encyclpédie Française du XXème Siècle, outros dicionários e livros fáceis de se obter”. A par da filosofia, que lhe permitiria, fora dos limites da raça, da classe social, da nacionalidade, interpretar a vida e suas ilusões, descalabros e raras alegrias, ele se realizava inteiramente apenas na literatura:

“Mais do que qualquer outra atividade espiritual da nossa espécie, a Arte, especialmente a Literatura, a que me dediquei e com quem me casei, mais do que ela nenhum outro meio de comunicação entre os homens em virtude mesmo do seu poder de contágio, teve, tem e terá um grande destino em nossa triste Humanidade… Quer dizer: que o homem, por intermédio da Arte, não fica adstrito aos preceitos e preconceitos de seu tempo, de seu nascimento, de sua pátria, de sua raça: ele vai além disso, mais longe que pode, para alcançar a vida total do Universo e incorporar a sua vida na do Mundo.”

A literatura – antes dos modernistas de 22 -, ele afirmava, não era a gramatiquice lusitana emperrada e artificial, mas a oralidade inculta e saborosa do falar brasileiro, mais do que uma forma vazia e altissonante à la Coelho Neto, “mestre” das lantejoulas de literatice da época em seus romances natimortos. A literatura era a “a exteriorização de um certo e determinado pensamento de interesse humano, que fale do problema angustioso que nos cerca, e aluda às questões de nossa conduta na vida”.

Nossa conduta na vida: essa raiz ética o prende a uma consciência incapaz de aceitar, conciliações com tudo que é chucro, chulo, vil, menor e o degreda para uma solidão, uma incompreensão nunca sanada, a par do fardo melancólico do pai delirante a bradar que tranquem as portas pois a polícia cercou a casa e vem buscá-lo, nas noites de insônia e alucinações tétricas de pavor. Lima Barreto não tinha “pistolões”, não recorria a conterrâneos bairristas que pudessem ajudá-lo, não aceitava a petulância fátua dos acadêmicos nem teve o bálsamo de um amor feminino que pudesse servir-lhe de apoio na vida adversa. Os seus inimigos, ferozes e poderosos, vingaram-se da maneira mais solerte possível: ignorando-o, impedindo-o de ganhar uma vida melhor, de ter o renome que seu engenho extraordinário lhe permitiria. Um de seus alvos preferidos foi a Igreja mimética, camaleão a adaptar-se às cores predominantes nas mutáveis cortes do poder:

“A tática seguida pelo Vaticano consiste em sustentar a classe poderosa no momento, com unhas e dentes, desculpar os seus erros e crimes, para poder viver; e quando ela, a classe poderosa, é derrubada e abatida, alia-se à poderosa que lhe sucede…

… Não creio, portanto, que a Igreja possa resolver a questão social que os nossos dias põem para ser solucionada urgentemente.

Se os socialistas, anarquistas, sindicalistas, positivistas etc, não a podem resolver, estou muito disposto a crer que o catolicismo não a resolverá também, tanto mais que nunca foram tão íntimas as relações do clero com o capital, e é contra este que se dirige toda a guerra dos revolucionários.”

Os revolucionários, em sentido estrito do termo, seriam os que traziam reformas, principalmente para o operariado: redução da jornada diária de trabalho, aumento salarial: nunca Lima Barreto aderiu totalmente à ideologia alguma, a nenhum credo, a nenhum dogma político. Há tentativas várias de querer incorporá-lo ao positivismo, que abraçou por pouco tempo, ao anarquismo, ao comunismo, mas ele mesmo, de forma categórica, confessa sempre sua independência individual: a favor da liberdade, a favor dos Jecas Tatus entregues à miséria, à maleita e ao analfabetismo que Monteiro Lobato denunciara de forma tão veemente e irrepetível em Urupês, mas sem rótulos nem diretrizes partidárias.

Deixa documentado nitidamente:

“Não obedeço a teorias de higiene mental, social, moral, estética de espécie alguma. O que tenho são implicâncias parvas: e é só isso. Implico com três ou quatro sujeitos das letras, com a Câmara, com os diplomatas, com Botafogo e Petrópolis: e não é em nome de teoria alguma, porque não sou republicano, não sou socialista, não sou anarquista, não sou nada; tenho implicâncias. É uma razão muito fraca e subalterna; mas como é a única, não fica bem à minha honestidade de escriba escondê-la”

O próprio escritor, porém, que bradava não amar nem a pátria; nem a família, nem a Humanidade, na realidade buscava a compreensão do próximo e seus romances são dos mais impregnados de ternura humana comovente já escritos no Brasil. Não erraram alguns críticos da época em, percucientemente, apontarem o personagem de Policarpo Quaresma como uma espécie de dom Quixote brasileiro em miniatura. Em que outras páginas da literatura brasileira haverá tanta graça leve, tanta caricatura mordaz mas não sádica, tanta doçura humana a definir personagens que Sterne e Dickens aprovariam com entusiasmo? Quaresma, o brasileiro extremado, que escreve em tupi-guarani uma carta a um ministério e que dedica seu tempo e escasso dinheiro a ler sobre os rios do Brasil, as riquezas do Brasil, a flora e a fauna do Brasil, terminaria vítima da ditadura, do hospício, do esmagamento execrável pelos poderosos do momento e pela indiferença dos circunstantes. Nem mesmo uma figura feminina – à mulher Lima Barreto reserva sempre um quinhão maior de bondade altruísta e ativa – consegue interceder por ele, os amigos evitando envolver-se com quem não fosse do partido governista… Mas o final, da impotência contra a prepotência do arbítrio, não consegue transmitir uma anulação total da atmosfera paradoxalmente risonha que Lima Barreto incute a seus personagens, vítimas de obsessões hilariantes.

Aquele marginal, Lima Barreto, não era um misantropo: amava a Humanidade a seu modo rude, áspero, e não há justificativa para sua própria descrição como a de um homem “de coração árido”. Fugazmente boêmio nas rodas literárias do Rio do seu tempo, cidade então de poucas e parvas distrações, cioso de sua descendência lusitana e africana, Lima Barreto escrevia para comunicar-se, não para traduzir o Belo e o Perfeito em estilo literário. Frequentemente se jactava de sua incorreção gramatical e sua “implicância” com Machado de Assis é célebre. Ao mestre criador de Memórias Póstumas de Brás Cubas, ele reservava apenas frases de sarcasmo: “Machado escrevia com medo do Castilho e escondendo o que sentia, para não se rebaixar”. Seu magnífico biógrafo, Francisco Assis Barbosa, cita depoimentos tanto de Austregésilo de Ataíde quanto de Sérgio Buarque de Holanda, segundo os quais o mero nome de Machado de Assis enfurecia Lima Barreto a ponto de imprecar para quem quisesse ouvir: “Machado é um falso em tudo. Não tem naturalidade. Inventa tipos sem nenhuma vida”. Considerava Aluísio de Azevedo superior a Machado de Assis como romancista. Pior ainda: Machado de Assis seria um omisso, meramente aludindo a subentendidos que de tão abstratos se tornavam ocos: “Machado era um homem de sala, amoroso das coisas delicadas, sem uma grande, larga e ativa visão da Humanidade e da Arte. Ele gostava das coisas decentes e bem postas, da conversa da menina prendada, da garridice das moças.”

Nesse julgamento impiedoso e sectário, o autor de Policarpo Quaresma embutia talvez sua revolta contra um mulato que não aludia a essa condição, ao contrário dele, Lima Barreto, que já então denominava (“impertinentemente”, como queriam muitos de seus inimigos brancos) de “Vila Quilombo” sua casa e queria, muito antes da Négritude de Senghor e Aimé Césaire, criar uma literatura sobre os negros, um “negrismo”, como chegou a denominá-la, que tirasse essa componente decisiva da população brasileira do esquecimento a que estava entregue pelos escritores brancos ou mulatos que se tinham por brancos ou pretos “de alma branca”, como queria o preconceito da época.

Era compreensível que o desespero o levasse muitas vezes – antes do alcoolismo e das entradas no hospício, à semelhança do pai incuravelmente louco – a pensar no suicídio como uma forma de escapar da masmorra em que o tinham enterrado vivo. É a seu personagem em grande parte autobiográfico, Isaías Caminha, que ele confia seus pensamentos íntimos:

“Eu tinha uma imensa lassidão e uma grande fraqueza de energia mental. Quis descansar, debrucei-me na muralha do cais e olhei o mar. Estava calmo; a limpidez do céu e a luz macia da manhã faziam-no aveludado. Os últimos sinais da tempestade da véspera tinham desaparecido. Havia satisfação e felicidade no ar, uma grande meiguice, em tudo respirava; e isso pareceu-me hostil. Continuei a olhar o mar fixamente, de costas para os bondes que passavam. Aos poucos ele hipnotizou-me, atraiu-me, parecia que me convidava a ir viver nele, a dissolver-me nas suas águas infinitas, sem vontade nem pensamento; a ir nas suas ondas experimentar os climas da terra, a gozar todas as paisagens, fora do domínio dos homens, completamente livre, completamente a coberto de suas regras e dos seus caprichos… Tive ímpetos de descer a escada, de entrar corajosamente pelas águas adentro, seguro de que já ia passar a uma outra vida melhor, afagado e beijado constantemente por aquele monstro que era triste como eu.”

Da escrivaninha à mesa dos cafés literários da época e daí à cama de um bordel, do desvelo ao pai incurável à rebelião retesada anos a fio sob o tacão da discriminação, Lima Barreto morreria sem ter terminado sua obra, aos 41 anos de idade, o organismo corroído pelo álcool, as mãos agarradas aflitas a um tomo da revista francesa, Revue des Deux Mondes, 48 horas antes do triste fim de seu próprio pai. Talvez na literatura brasileira não haja documentos mais patéticos do que os transcritos por ocasião de seu internamento nas clínicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil, refúgio que alternava com a sarjeta em seus momentos de dor incontida: “Comemorativos pessoais e de moléstia: Cópia da guia policial: -”Nada informa dos antecedentes de hereditariedade. Acusa outros no rapto de manuscritos. Acusa insônias, com alucinações visuais e auditivas. Estado geral bom. Boa memória. Já teve sarampo e catapora, blenorragia, que ainda sofre, e cancros venéreos. Confessa-se alcoolista imoderado, não fazendo questão de qualidade. Está bem orientado no tempo e no meio. Memória íntegra: conhece e cita com bastante desembaraço fatos da História antiga, média, moderna e contemporânea, respondendo as perguntas que lhe são feitas, prontamente. Tem noções de álgebra, geometria, geografia. Nega alucinações auditivas, confirmando alucinações visuais. Associação de ideias e de imagens perfeitas; assim como perfeitas são a atenção e a percepção. Cita seus autores prediletos que são: Bossuet, Chateaubriand, “católico elegante” (sic), Balzac, Taine, Daudet; diz que conhece um pouco de francês e inglês. Com relação a esses escritores faz comentários mais ou menos acertados; em suma, é um indivíduo que tem algum conhecimento, e inteligente para o meio em que vive. Interrogado sobre o motivo de sua internação, refere que indo à casa de um seu tio em Guaratiba, prepararam-lhe uma assombração, com aparecimentos de fantasmas, que aliás lhe causam muito pavor. Nessa ocasião, chegou o tenente Serra Pulquério, que, embora seu amigo de “pândegas”, invectivou-o por saber que preparava panfletos contra seus trabalhos na vila proletária Marechal Hermes. Tendo ele negado, foi conduzido à polícia, tendo antes cometido desatinos em casa quebrando vidraças, virando cadeiras e mesas. A sua condução para a polícia só se fez mediante o convite do comissário, que lhe deu aposentos na delegacia até que o transferiram para a nossa clínica. Protesta contra o seu “sequestro”, pois vai de encontro à lei, uma vez que nada fez que o justifique. Nota de certo tempo para cá animosidade contra si, entre os seus companheiros de trabalho, assim como entre os próprios oficiais do Ministério da Guerra de onde é funcionário. Julga que o tenente Serra Pulquério teme a sua fama “ferina e virulenta”, pois, apesar de não ser grande escritor nem ótimo pensador, adota as ideias anarquistas e quando escreve deixa transparecer debaixo de linguagem enérgica e virulenta os seus ideais. Apresenta-se relativamente calmo, exaltando-se, contudo, quando narra os motivos que justificaram a sua internação. Tem duas obras publicadas: Triste Fim de Policarpo Quaresma e Memórias (sic) do Escrivão Isaías Caminha. Marcha da moléstia e tratamento: Purgativo-Ópio. Saída: Transferido em 27 de agosto de 1914.

2ª Entrada

Nome: Afonso H. de Lima Barreto

Cor: parda – Idade: 38 anos – Nacionalidade: brasileira. Estado civil: solteiro – Profissão: Jornalista. Entrada : em 25 de dezembro de 1919. Diagnóstico: Alcoolismo.”

Vendo a existência humana com um estoicismo valente, incapaz de ater-se a uma fé mística, não crendo que fosse possível ao ser humano devassar o Mistério que circunda o nascimento e a morte, Lima Barreto, no entanto, não deixa como mensagem final o desalento. Confirma, é verdade, o estado calamitoso em que se encontram todos os seus conterrâneos e contemporâneos. Mas, como sucede frequentemente na prosa lírica arrebatada desse Mestre que não pôde perfazer a sua Perfeição, há lugar para uma remota esperança no futuro. O passado foi canibalesco, hediondo, apavorante e sem remédio, mas quem sabe uma Humanidade futura aprenderá o amor, a comoção, a solidariedade, a grandeza generosa da alma? É o que subentende claramente o trecho final de seu belo, comovente, miniaturesco O Triste Fim de Policarpo Quaresma com seu ritmo de adagio melodioso e solene:

“Saiu e andou. Olhou o céu, os ares, as árvores de Santa Teresa, e se lembrou que, por estas terras, já tinham errado tribos selvagens, das quais um dos chefes se orgulhava de ter no sangue o sangue de dez mil inimigos. Fora há quatro séculos. Olhou de novo o céu, os ares, as árvores de Santa Teresa, as casas, as igrejas: viu os bondes passarem; uma locomotiva apitou; um carro, puxado por uma linda parelha, atravessou-lhe na frente, quando já a entrar no campo… Tinha havido grandes e inúmeras modificações. Que fora aquele parque? Talvez um charco. Tinha havido grande modificações nos aspectos, na fisionomia da terra, talvez no clima… Esperemos mais, pensou ela; e seguiu serenamente ao encontro de Ricardo Coração dos Outros.”

Reuso

Citação

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Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. 2022. “Lima Barreto - altamente inovador. E quase desconhecido .” In Racismo e literatura negra, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 1. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.