Poemas. Beleza e magia em versos cintilantes

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Jornal da Tarde, 1984. Aguardando revisão.

Alphonsus de Guimaraens Filho tem uma série de peculiaridades que o isolam dentro da poesia contemporânea brasileira. Filho do poeta mineiro Alphonsus de Guimaraens, não é uma cópia genética do talento paterno. Tem acumulado um número enorme de prêmios de reconhecimento pelo valor da sua poesia: Prêmio de Literatura da Fundação Graça Aranha, por seu livro Lume de Estrelas, e o Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, em 1940; dez anos depois, o Prêmio Manuel Bandeira, concedido pelo Jornal de Letras, do RIo de Janeiro; em 54: Prêmio de Poesia da Cidade de Belo Horizonte; em 1973, Prêmio Luísa Cláudio de Sousa, do Pen Clube do Brasil, por seu volume de poemas Absurda Fábula; e o Prêmio Literário Nacional, em 1978, por Água Tempo, que lhe foi entregue pelo Instituto Nacional do Livro.

Elogiado por Manuel Bandeira e por Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, porém, mostrou-se reticente ao afirmar apenas que se tratava de um poeta “que acredita no trabalho, na reflexão estética, na cultura”, quando não franco ao saudar Lume de Estrelas como a afirmação de “um poeta bastante forte num livro ainda bastante fraco”. E não é só: Lume de Estrelas, em 1976, serviu para rebatizar uma rua no subúrbio carioca do Méier, que já tinha por si só um nome eloquentemente poético: rua da Esperança.

Peculiar aos poetas, mais acentuado ainda nos poetas mineros como Henriqueta Lisboa, é o sentimento de um recolhimento interior, de um fuga aos holfotes da glória, da fama, que são a meta de tantos vates menores e astros de teatro, do cinema, da televisão. Alphonsus de Guimaraens Filho é e tem sido sempre, coerentemente, um poeta sem alardes, sem tambores rufando em torno de sua obra, melodia sutil, prateada que não quer os acentos de um fortíssimo sinfônico nem o revolcionário de uma poesia de Mário de Andrade, embora desta tenha preservado muito da melancolia com que contempla a vida. Carlos Drummond de Andrade ressalta o seu arrebato místico, sua profunda ascese. A essa caracerística teria de ser acrescentada a do recato, da contemplação tristonha do mundo dos homens, divorciado do amor cristão e transgredido nas guerras, na violência, na cupidez que sempre joga um homem contra o seu semelhante.

, poemas de Alphonsus de Guimaraens Filho, Editora Record, 151 páginas não adiciona muito aos Poemas Reunidos (Editora José Olympio) publicados em 1960 e que contém, certamente, o melhor desse poeta cristalino, quase que se poderia dizer tímido, avesso a “salões” literários, à celebridade e ao festim de narcisismo que para poetas menores ela acarreta, sempre, é verdade, na proporão inversa a seu talento, felizmente. De fato, reitera os tema de perplexidade do poeta diante do mundo letal e ferocíssimo do nosso século nuclear, reafirma sua solidariedade com a Humanidade, saúda o Cristo e a morte, esse Yang e Yin da poesia de todos os seus livros anteriores. Por certo que há, como sempre na sua vasta criação poética ática, sonetos perfeitos, aos quais Alphonsus de Guimaraens Filho infunde uma nota de desespero tipicamente moderna, mesclando a Angst existencial de nossos dias de bombas nêutrons, mísseis, terrorismo, catástrofes ecológicas e morte por inanição de milhões de seres humanos com o rigor clássico da métrica, da rima e dos 14 versos. Talvez o exemplo mais soberbo seja o do soneto intitulado “Soneto do Amor Fiel”:

“Numa vida imperfeita, no imperfeito

mundo - sozinhos e desenganados -,

da afeição que ilumina iluminados

como de um sol oculto em nosso peito,

que em nós subitamente se levante

a delicada, a matinal lembrança

do que chama nos foi sendo esperança

e hoje é nuvem pousada em céu distante.

Flua de nossas almas luminosas

serenidade, e em paz alimentemos

o que o mundo tornou em rebeldia.

Que o sentimento seja a frágil rosa

à beira de um abismo que não vemos,

cegos dde tanto respirar o dia…”

Como também, aqui e ali, cintilam versos humanamente imelhoráveis pela sua beleza, pela sua concisão, pela sua magia e perene deslumbramento como, entre tantos outros: “Fresca hora de amor, que nunca passa!”; “Cessa o festim que nem tiveste.”; “Cada qual traz consigo um sol interno”; “E adormecer nas águas do poema”.

Na minha opinião, Alphonsus de Guimaraens Filho torna-se mais forte e possivelmente mais autêntico, até sempre que permanece fiel a seus temas de luminoso misticismo, de interrogação filosófica, de aderência à Natureza, à evocação melancólica, agridoce do passado. E menos convincente quando se emaranha nos temas apocalípticos do hoje sangrento, complexo, imediato. Ele contagia o leitor, quando na sua famosa litania, ou melhor, no seu desesperado canto de amor a toda a criação divina, eclode nos versos rapsódicos de:

“Senhor, me sinto irmão desesperadamente!

Fraterno, indissociável. Irmão da planta imóvel, irmão da fera, irmão

Da estrela e do cigano, irmão do saltimbanco.

Irmão da água, irmão da noite, irmão

Da morte! Sempre irmão! Na carne desolad

Que desce para o chão e curva o seu mistério

Para a noite febril que sopra do passado

Na carne desolada o mundo se revolve,

Senhor, me sinto o mundo! E é intenso e além do homem

Sentir na própria carne a criação do mundo”

Essa temática tão próxima do Cantico delle Criature, de São Francisco de Assis, arranca de seu instrumento poético algumas de suas notas mais vibrantes e perenes, embora não as únicas. Alphonsus de Guimaraens Filho em seus frequentes momentos melhores, desfaz a artificial barreira entre poesia clássica e poesia moderna, revelando a poesia em sua cintilância inocente, seu mistério palpitante e indevassável, como o próprio destino humano sob a capa enganosa da forma ele desvenda a realidade sempre milagrosa da essência poética.

Reuso

Citação

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Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. (1984) 2022. “Poemas. Beleza e magia em versos cintilantes .” In Poetas brasileiros contemporâneos, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 4. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.