Fino, sutil, erudito: Sérgio Campos, Móbiles de Sal

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Jornal da Tarde, 1991. Aguardando revisão.

O poeta carioca Sérgio Campos orgulha-se de sua profissão defender o réu, desempenho que alterna com um cultivo coerente da poesia de Jorge de Lima e da poesia experimental de poetas brasileiros contemporâneos como José Santiago Knaud, Leonardo Fróes e Floriano Martins, entre outros. Uma das supresas agradáveis que seu livro recém-lançado, Móbiles de Sal, revela é que Sérgio Campos é um intelectual culto, que cita a propósito os grandes poetas ingleses que venera como Blake, John Donne, Gerard Manley Hopkins.

Várias vezes premiados seus livros de poemass, ele conta com conformada tristeza, batem às portas de editoras que por princípio nao recebem sequer a visita de poetas. Sem enviar livros para os críticos e sem atender aos poetas, as editoras brasileiras correm celeremente rumo ao hara-kiri coletivo. Mas o doublé de defensor público e poeta não esmorece: custeia suas próprias - e cuidadas - edições de versos. Sem querermos entrar na banalização ou no fetichismo de certa crítica literária de tudo querer encerrar em um gênero ou um rótulo advertimos porém que Móbiles de Sal tende para a poesia minimalista - e de fortíssimo pendor para o espírito poético ático de Ricardo Reis numa profunda e permanente saudade e reverência à Grécia Antiga. Um belo exemplo de concisão e inspiração fica consignado, entre vários outros poemas, no intitulado “Encantação dos Fios”:

“Ó Ariadne

o que não se escreve para a beleza

resta sempre inacabado.”

A síntese e a atmosfera do mar Egeu marcam o “Prólogo”:

“Cravar o osso da quilha

na solidão desta ilha

os ossos postos no cais”

Solene, trágina, mas sempre atenta à incognoscível vontade dos deuses, a poesia de Sérgio Campos arranca fragmentos de fulgurante beleza em sua retomada dos eventos gregos os mitos, o teatro:

“funesto é o amor

em que combato

no jardim

seu último verão”

É intensamente lamentável que não me tenham chegado às mãos seus livros anteriores, vários deles premiados, como Ciclo Amatório, editado por Scortecci, SP; Montanhecer, da mesma editora, bem como As Iras do Dia, duplamente premiado pela Academia Brasileira de Letras e com a láurea “Cidade de Belo Horizonte”. Assim poderíamos, através dos livros anteriores a este, estudar o work in progress deste fino, sutil, erudito poeta. São os percalços de vivermos num país cujo subdesenvolvimento é, em primeiro lugar, nitidamente mental.

Em minha opinião, o seguro talento de Sérgio Campos deveria evitar os temas de críticas às ideologias e ao logro transmitidos com tenacidade inacreditável por vários meios de comunicação. Sente-se claramente que o poeta não está à vontade no palanque das discussões do que é efêmero, e portanto não pode ser substância poética. Imergir na realidade é um ardil para que os poetas caiam na retórica, terreno que, obviamente, lhes é hostil desde os tempos dos diálogos de Platão contra os embusteiros que usam o labirinto das palavras e dos conceitos para perpetuar a mentira e a mediocridade, numa vã tentativa de substituir a verdade pela fraude.

Sérgio Campos reencontra sua inspiração lírica, de forma francamente inesperada, em poemas que sugerem uma atmosfera andaluza, lorqueana como nos “Noturnos Pendulares”:

“A noite é aqui

esta praça vazia

no centro do mundo

fora de seu eixo

onde as sombras

se debruçam

sobre o jardim

onde as lucarnas

incendeiam

as mariposas do baile

onde as estátuas

se despem

no chafariz

a noite é aqui:

aranhol de palavras

petições do vento

à lua caiada”

Não seria possível, por medo de exclusão de algum nome importante, por esquecimento involuntário, enumerar os poetas modernos que continuam com este lírico carioca a grande tradição galaico-portuguesa de poesia que Portugal generosamente legou como seiva interior ao Brasil: Carlos Nejar, Mário Chamie, Hilda Hilst, Marly de Oliveira, João Cabral de Melo Neto e, sem dúvida, outros. De nenhum deles ele destoa em sua ascenção rumo ao plano domínio da meditação e da escrita poéticas.

Reuso

Citação

BibTeX
@incollection{gilson ribeiro2021,
  author = {Gilson Ribeiro, Leo},
  editor = {Rey Puente, Fernando},
  title = {Fino, sutil, erudito: Sérgio Campos, Móbiles de Sal},
  booktitle = {Poetas brasileiros contemporâneos},
  series = {Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro},
  volume = {4},
  date = {2022},
  url = {https://www.leogilsonribeiro.com.br/volume-4/14-sergio-campos/00-fino-sutil-erudito-sergio-campos-mobiles-de-sal.html},
  doi = {10.5281/zenodo.8368806},
  langid = {pt-BR},
  abstract = {Jornal da Tarde, 1991. Aguardando revisão.}
}
Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. (1991) 2022. “Fino, sutil, erudito: Sérgio Campos, Móbiles de Sal .” In Poetas brasileiros contemporâneos, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 4. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.