A literatura e o Homem
Cesare Pavese, um dos grandes renovadores da moderna Literatura italiana, ativo antifascista e encarnação moderna do “mito” camusiano do homem íntegro: isto é, aquele em que a substância humana não está separada de suas atividades intelectuais, fez uma série de palestras curtas na Rádio de Turim, imediatamente após o término da Segunda Guerra Mundial, na Itália de 1945, dilacerada pelas ocupações e pela luta dos partiggiani contra a barbárie fascista. Mais tarde transcritas no jornal L’Unità, e integradas, como apêndice de seu livro de poemas Lavorare estanca e La Letteratura americana ed altri saggi, estes admiráveis ensaios enfeixam, na personalidade do escritor turinês, toda a angústia e o desejo ardente de autenticidade que caracterizam a Itália do após-guerra, em rebelião contra o obscurantismo da era mussoliniana. Um documento de vida vibrante, radical, se encerra por detrás das palavras que Pavese manejava com a destreza de um virtuoso, com a parcimônia ditada pela sobriedade áspera de sua terra natal, com a autenticidade que o levou a suicidar-se num hotel suburbano de Turin, em 1950, numa ânsia suprema de atingir uma totalidade artística e humana que lhe pareceu, nos momentos finais, inatingível. De sua vida condicionada pela solidão, pelo combate, pelo mito da fraternidade humana e pelo seu agnosticismo trágico, ficou-nos o legado de sua obra: La Casa in Collina, Mestiere di Vivere, Prima che il Gallo Canti, magistralmente complementada por suas traduções do Moby Dick, do Dedalus de Joyce e outras novelas anglo-saxônicas contemporâneas, de Faulkner, John Dos Passos e outros.
Ao investigar as relações subterrâneas entre Arte, Política, Povo e Cultura, Literatura e Técnica, Pavese formula uma tese já enunciada brilhantemente por Gottfried Benn, o grande poeta alemão falecido recentemente, referente à especialização que o conhecimento da Literatura pressupõe: uma gramática, como explica Pavese, que não alheia jamais, contudo, o leitor e o autor do nexo comum que os irmana – sua substância humana, que lhes possibilita um diálogo em meio à maldição da solidão e uma trégua durante o cerco da incomunicabilidade de um homem a outro. Ao sondar esse mundo abissal, Cesare Pavese se debruça sobre regiões inexploradas, como quando declarava, a respeito da poesia, que “a fonte da poesia é sempre um mistério, uma inspiração, uma comovida perplexidade perante tudo que é irracional, terra desconhecida” e, com a claridade de sua visão e o denodo de sua luta, Pavese forja “em meio ao sangue e o fragor dos dias em que vivemos” um novo Homem, em intercâmbio com a Vida e a Cultura.
Reuso
Citação
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author = {Gilson Ribeiro, Leo},
editor = {Rey Puente, Fernando},
title = {A literatura e o Homem},
booktitle = {Perscrutando a alma humana: A literatura italiana do
pós-guerra},
series = {Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro},
volume = {8},
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url = {https://www.leogilsonribeiro.com.br/volume-8/08-cesare-pavese/00-a-literatura-e-o-homem.html},
doi = {10.5281/zenodo.8368806},
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abstract = {Diário de Notícias, 1960/09/25. Aguardando revisão.}
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