Resenha sobre Poemas de Senghor

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Jornal da Tarde, 1970/1/29. Aguardando revisão.

Poucas vozes poéticas surgem com tanta pujança neste final de século. Senghor, presidente do Senegal, um dos formuladores da teoria da Négritude, alinha-se ao lado de um Saint-John Perse, de um T. S. Eliot, de um Gottfried Benn, de um Carlos Drummond de Andrade.

Sua poesia ultrapassa o exotismo pitoresco de uma “poesia negra”. As palmeiras, as tribos, os desertos não entram gratuitamente como cor local em sua poesia. Brotando da união de inspiração africana e forma francesa, sua poesia é universal pela qualidade altíssima de seu conteúdo e pela beleza de seu estilo. Requintados, polidos, seus destilam uma África interior desvendada em toda a sua beleza: cantam a beleza da mulher negra “sazonado fruto de carne firme, êxtase de negro vinho, boca que liriza os meus lábios”; cantam a lembrança na aldeia natal: “Joal!/ Lembro-me das pompas do Poente/ Donde Kumba N’Dofene queria tirar o seu manto régio. / Lembro-me dos banquetes fúnebres, recendendo sangue dos rebanhos imolados, / Rumor de querelas, rapsódias de menestréis”; cantam os deuses antigos das civilizações destruídas pela violência do homem branco: “Enviaram-se um correio veloz,/ E ele atravessou a violência dos rios; nos arrozais baixos, mergulhava até a cintura./ Porque sua mensagem era urgente, /Deixei a refeição fumegando e o cuidado de muitos litígios. / Uma tanga, nada mais levei para as manhas orvalhadas./ Por viático, palavras de paz, brancas, abrindo-me caminho..”

Versátil, porém, Senghor não limita seus temas às imagens vigorosas da paisagem africana. Seus poemas agradecem a uma enfermeira branca que cuida de indígenas doentes do hospital: “Ema Payeleville:/ Teu nome apagará as poeirentas figuras dos governadores/ Tu, donzela tão frágil e delicada/ Derrubas as muralhas decretadas entre ti e nós, humildes indígenas”. Ou de Verlaine, descreve a neve que cai sobre Paris com sutileza: “Meu coração, Senhor, derreteu-se como a neve sobre os telhados de Paris,/ Ao sol da tua doçura..”

O tom majestoso e solene de suas elegias não exclui uma referência aos fados de Amália Rodrigues, por exemplo, na sua magnífica exortação da Saudade e da gota de sangue português que se perdeu em meio à sua négritude e que persiste na origem portuguesa de seu sobrenome, uma corruptela africana de Senhor.

Poeta lírico do amor, poeta religioso que mescla o latim ritual da missa com os dialetos e instrumentos musicais africanos, poeta social que transforma o ódio dos negros contra os racistas numa profunda meditação filosófica sobre a condição humana ou no espírito de paz e boa vontade do Natal, Senghor não perde sua vitalidade nem mesmo nesta tradução um pouco prosaica e sem voo poético feita agora no Brasil. Afinal, seria preciso ser poeta para traduzir bem um grande poeta. O leitor porém apreciaria ter explicações ao pé da página de termos africanos abundantes e que são citados sem qualquer esclarecimento: Kor-Sanou! Paragnessês. Bayetê Babá! Bayetê ó Zoulou! KhalamI. Balafong – o que significam exatamente? São lugares? Invocações? Instrumentos?

Estes senões são menores. O importante é o encontro do leitor brasileiro com um dos grandes poetas do século. Senghor, como em sua própria “Oração às Máscaras”, sem saber, definiu exemplarmente a majestosa contribuição que sua poesia trouxe à renovação poética mundial: “Que respondemos ‘presente’ ao renascer do Mundo/ Qual fermento necessário à farinha branca./ Pois quem ensinaria o ritmo ao falecido mundo das máquinas e dos canhões? Quem daria o grito de alegria para despertar mortos e órfãos à aurora?/ Dizei, quem poderia restituir a memória da vida ao homem desesperançado?… Somos os homens da dança, cujos pés se revigoram ferindo o rude chão”.

Reuso

Citação

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Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. 2022. “Resenha sobre Poemas de Senghor .” In Racismo e literatura negra, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 1. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.