Ensaio de Hugo von Hofmannsthal (tradução de Leo Gilson Ribeiro)

Autor

Leo Gilson Ribeiro

É certo, porém, que a partida, a busca e o encontro pertencem de maneira indefinível aos mistérios de Eros. E certo que nós, em nossos caminhos meândricos, não somos meramente impelidos para diante pelas nossas ações, mas somos, ao contrário, sempre atraídos por algo que, aparentemente, em alguma parte, espera por nós e sempre está oculto. Há algo de desejo amoroso, de curiosidade amorosa na nossa marcha, mesmo quando procuramos a solidão do bosque ou a paz das altas montanhas ou uma praia deserta, sobre a qual se desfaz, como uma franja prateada, o mar levemente murmurejante. A todos os encontros solitários mescla-se um elemento impreciso de grande doçura, mesmo se deparamos com uma árvore alta que se ergue majestosa e solitária ou com um animal da floresta que para silenciosamente e nos fita da escuridão. Parece-me que não o abraço, mas o encontro constitui a pantomima erótica decisiva. Em nenhum outro momento tornam-se os sentidos tão espiritualizados e o espírito tão voluptuoso como no encontro. Nele tudo é possível, tudo está em movimento, tudo se desfaz. Aqui se manifesta uma busca recíproca ainda sem desejo, uma ingênua mistura de familiaridade e timidez. Aqui se encontra o movimento de corça e de pássaro, o som abafado e animal, a pureza angélica, o elemento divino. Uma saudação é algo ilimitado. Dante data a sua Vida Nova de uma saudação que lhe foi dirigida. Maravilhoso é o grito da grande ave e o som estranho, solitário, pré-mundano na madrugada, partido do mais alto pinheiro, […]. Este lugar impreciso, esta incerteza, este desejo apaixonado, este grito, do estranho em busca do estranho é o espantoso. O encontro promete mais do que o abraço pode conter. Ele parece-me pertencer, se posso dizer assim, a uma estrutura mais elevada das coisas, àquela para a qual as estrelas se movem e os pensamentos se fecundam mutuamente. Mas para uma imaginação muito ousada e muito ingênua, em que a inocência e o cinismo se misturem indissoluvelmente, o encontro é, já em si, a antecipação do próprio abraço.

Reuso

Citação

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Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. 2022. Ensaio de Hugo von Hofmannsthal (tradução de Leo Gilson Ribeiro) . Edited by Fernando Rey Puente. Conferências, ensaios e alguns artigos especiais. Vol. 9. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.