Não deixe de ler. Ele inova o conto brasileiro
De início, é preciso deixar claro que Lúcia McCartney é um livro desigual: entusiasma em certos contos, decepciona em muitos. Com relação a A Coleira do Cão – o segundo livro de Rubem Fonseca – pode-se dizer que há um intuito deliberado de inovação. Rubem Fonseca utiliza várias formas de renovação de estilo:
utilizando no primeiro conto o monólogo interior de um boxeador que está perdendo uma luta importante. Flashes perpassam pela sua memória: imagens desconexas, associações sem lógica cruzam sua mente em meio a golpes, apitos de juiz e estratégias de defesa frustradas;
criando um verdadeiro idioma, entre o português e o inglês, que exige do leitor: a) conhecimentos de inglês para saboreá-los inteiramente; e b) conhecimentos inclusive literários e de alusões e aspectos da vida nos Estados Unidos. Esses conhecimentos vão desde as citações de Shakespeare, habilmente encaixadas pelo autor no texto, até dados sobre a situação do racismo, violência e protesto contra a guerra no Vietnã que pontilham a vida diária dos Estados Unidos;
criando contos miniaturescos, inseridos dentro de um poema, como o do casal que ocupa na praia o lugar que pertencera a um cadáver apodrecido na beira do mar;
introduzindo no Brasil uma espécie de ficção científico-política com terroristas examinados antes de fazerem amor, com siglas mirabolantes de organizações de esquerda, como a BBB, baseada no grito de guerra dos incendiários racistas negros nos Estados Unidos (Burn, baby, burn!);
criando uma ficção hilariante-angustiante-científica em parte semelhante à ficção-científica estrangeira. É o caso de “Matéria de sonho”, com as bonecas de plástico que imitam perfeitamente mulheres belíssimas e que são companheiras ideais dos homens solitários.
A soma total de todos estes contos é altamente positiva. Rubem Fonseca é um escritor cosmopolita, conhecedor dos problemas que afligem o homem na era tecnológica, de terror planetarizado e de guerras localizadas permanentes (Biafra, Vietnã, Israel e países árabes etc.). Seu estilo contém audácias excelentes, uma dose inquieta de angústia, uma nota justa de lirismo contido e uma adesão profunda ao homem exilado num mundo que digere pacificamente o horror nas telas de televisão ou nas manchetes de jornais, sem por isso perder o apetite.
Se os resultados são desiguais, de uma história para a outra, o produto final recompensa o leitor, justifica a premiação do autor no último concurso de contos-milionário-do-Paraná. Rubem Fonseca é, ao lado de Dalton Trevisan, aliás, um dos valores que o Governo paranaense veio confirmar, pois sua incursão violenta e importante no terreno da ficção brasileira já se fizera desde o primeiro livro.
Reuso
Citação
@incollection{gilson ribeiro2022,
author = {Gilson Ribeiro, Leo},
editor = {Rey Puente, Fernando},
title = {Não deixe de ler. Ele inova o conto brasileiro},
booktitle = {Grandes contistas brasileiros do século XX},
series = {Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro},
volume = {10},
date = {2023},
url = {https://www.leogilsonribeiro.com.br/volume-10/04-rubem-fonseca/00-nao-deixe-de-ler-ele-inova-o-conto-brasileiro.html},
doi = {10.5281/zenodo.8368806},
langid = {pt-BR},
abstract = {Jornal da Tarde, 1969-11-29. Aguardando revisão.}
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