Racismo e literatura negra

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Autor

Fernando Rey Puente

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Leo Gilson Ribeiro foi certamente um dos intelectuais e críticos de literatura mais engajados em denunciar o racismo, bem como especialmente em divulgar a literatura negra - do Brasil, da América Latina, dos EUA e da África - em nosso país, mas cuja memória, infelizmente, foi acometida da mesma invisibilidade denunciada pelo personagem central de Ralph Ellison em sua importante novela The Invisible Man, relato este utilizado sagazmente pelo próprio Leo Gilson Ribeiro no início de uma conferência sobre a literatura negra em 1985 proferida no Centro Cultural São Paulo.

Assim, tanto no que diz respeito à literatura brasileira, quanto em relação à literatura caribenha, norte-americana ou africana raramente encontramos hodiernamente alguma menção ao crítico que tanto fez para colocar em evidência nos principais veículos de imprensa nacional nos quais trabalhou a importância de alguns autores negros sobre os quais ele havia escrito quase sempre em tom elogioso chamando a atenção do grande público para os mesmos em décadas passadas nas quais quase ninguém na grande imprensa fazia algo similar.

Desde 1959, isto é, logo após retornar de sua formação acadêmica na Europa (1953-1958 nas universidades de Hamburgo e de Heidelberg), o jovem professor (pois antes mesmo de concluir seu doutorado na Universidade de Hamburgo sobre Teixeira de Pascoaes (Die Saudade als Form des Pantheismus veranchaulicht am Werke von Teixeira de Pascoaes/ A saudade como forma do panteísmo ilustrada na obra de Teixeira e Pascoaes) Leo Gilson Ribeiro já atuava em Heidelberg como Lektor de Literatura Brasileira (o que fez de 1956 até 1958) quando então teve de regressar à primeira universidade na qual havia iniciado seus estudos na Alemanha - a Universidade de Hamburgo - para realizar a defesa de sua tese de Doutorado. No Brasil, contudo, ele não pôde ingressar na vida acadêmica nacional porque para isso ele teria de ter enviado para Brasília o seu diploma original de Doutorado obtido em fevereiro de 1958 junto à Universidade de Hamburgo com a possibilidade, segundo relato pessoal do próprio autor, de perdê-lo, algo que ocorria com frequência naquela época.

O retorno ao Brasil, dada à dificuldade enfrentada para o reconhecimento de seu diploma de Doutorado, leva então o jovem professor a atuar no campo do jornalismo cultural. Isso se deu inicialmente no Rio de Janeiro, onde ele residia, por meio de sua contribuição a diversos jornais (Diário de Notícias, Correio da Manhã, Jornal de Letras e Jornal do Brasil), periódicos (Comentário e Chuvisco) e revistas (Manchete e Cruzeiro Internacional), mas especialmente, cabe destacar aqui, a sua atuação junto ao jornal Diário de Notícias, veículo no qual criou uma importante coluna cultural intitulada Caminhos da Cultura.

No Correio da Manhã publica de julho a setembro de 1965 uma série de cinco reportagens voltadas ao tema do racismo e da literatura negra sob o título geral de “Discriminação racial” (“O problema crucial do século XX”, “O que significa ser negro”, “Apartheid - a legalização da paranóia”, “África do Sul – um vasto campo de Displaced Persons” e “A África do Sul – a conivência adia a solução”). Em anotações pessoais datadas de 1966, encontramos um plano exposto pelo autor de lançar um livro ainda naquele ano que seria denominado “Três desafios do século XX” e que seria subdividido em três partes, a primeira focada no tema da opressão cultural do artista na União Soviética, a segunda na discriminação racial nos EUA e na África do Sul e a última dedicada à explosão demográfica nos países subdesenvolvidos. Nessas notas manuscritas, Leo Gilson Ribeiro menciona que já havia escrito sobre vários tópicos relacionados ao racismo, tais como: origens da discriminação racial, Gabineau e a deformação do darwinismo, origens psicológicas do preconceito racial, a vulnerabilidade do Sul e a Guerra Civil, a Ku Klux Klan, dentre vários outros. De fato, encontramos entre seus papéis setenta páginas datilografadas e inéditas que discutem esses e outros temas relativos ao racismo dentro de uma pasta contendo na sua capa o título do livro que pretendia publicar “Três desafios do século XX”.

Já em São Paulo, para onde se muda em 1966, a fim de trabalhar, a convite de Mino Carta, no recém criado Jornal da Tarde, Leo Gilson Ribeiro publica uma extensa e muito elogiada reportagem para a revista Status em novembro de 1976 intitulada “Hitler está vivo: na África do Sul”.

Durante 47 anos de produção em jornais e revistas, isto é, desde o seu retorno ao Brasil até a sua morte ocorrida em 2007 Leo Gilson Ribeiro se esforçou sempre para tornar mais conhecida a literatura negra escrita no Brasil (Carolina Maria de Jesus, Lima Barreto e Paulo Colina dentre outros), na América do Sul (Léon Damas e Aimé Césaire), nos EUA (Richard Wright, James Baldwin, Charles Wright, Ralph Ellison e Toni Morrison) e na África (Léopold Senghor, Castro Soromenho, Wole Soyinka, José Luandino Vieira, Uanhenga Xitu e Chinua Achebe dentre outros).

A recolha desse material, injustamente esquecido, me parece um importante documento para evidenciar como Leo Gilson Ribeiro procurou no inteiro percurso de sua longa carreira difundir a literatura negra em nosso país nos principais meios de comunicação (além dos já citados cabe destacar os principais veículos nos quais trabalhou desde a sua ida a São Paulo, a saber, o Jornal da Tarde, o semanário Veja e, por fim, a revista Caros Amigos) a que teve acesso como crítico literário. Cabe mencionar igualmente que ele participou, sempre que possível, dos eventos - acadêmicos ou não - organizados sobre a literatura negra, entrevistou escritores negros do Brasil e do exterior, e realizou perfis ou necrológios sobre autores negros, bem como produziu diversos artigos sobre distintos escritores e escritoras negras e especialmente, é claro, sobre seus livros.

A escolha de textos de autoria de Leo Gilson Ribeiro que compõem esse volume sobre o racismo e a literatura negra evidentemente não pretende exaurir toda a produção dele sobre o tema, mas procura oferecer ao leitor interessado um roteiro de leituras vasto e diversificado pela literatura negra - positiva ou negativamente avaliada por nosso crítico. Uma literatura que Leo Gilson Ribeiro claramente previu, já em meados dos anos 80 do século passado, que por meio de seus autores poderia trazer “a inovação indispensável e especificamente negra para a Literatura Brasileira”.

Percebe-se da leitura atenta desses textos, evidentemente circunstanciais como são os textos destinados à imprensa cotidiana, que o foco de nosso crítico sempre foi a figura do artista - negro ou não - que escreve sobre a situação do negro frente a uma sociedade racista e preconceituosa na qual se encontra. Mais ainda, podemos perceber sempre a importância extrema que tem para o nosso crítico a dimensão ética de um autor. O escritor para ele deve, portanto, estar profundamente ancorado em sua sociedade e refletir criticamente sobre ela não se deixando levar por uma literatura de teses (como ele demonstra ter sido o caso do primeiro romance de Aluísio de Azevedo) ou por um mero conteúdo panfletário. Note-se bem que para o nosso crítico a literatura, qualquer que seja a posição ideológica de uma autora ou autor, deve sobretudo revelar uma excelência formal e imaginativa não cedendo em hipótese alguma a uma verborragia pomposa, mas vazia ou a meras fórmulas dogmáticas e panfletárias.

Outro aspecto que chama a atenção e que evidencia a formação acadêmica do autor é seu pendor comparativista. Em diversos artigos, escritores e escritoras de outras literaturas são mencionados para podermos pensar melhor determinados aspectos da obra de um autor ou autora que está sob análise. Deste modo, mas sem perder a singularidade de cada artista ou sem deixar de acentuar a imensa dificuldade hermenêutica de mergulhar em outros universos literários distantes do ocidental, Leo Gilson Ribeiro procura sempre inserir uma escritora ou um escritor em um universo literário mais amplo e com isso, obviamente, somos nós, leitores de seus textos - notas, resenhas, perfis ou entrevistas - que ganhamos novas intuições e pistas que poderão - caso alguém se dê ao trabalho de segui-las e de se aprofundar nelas – de nos levar a descobrir novos horizontes literários, bem como novas áreas de pesquisa em literatura comparada.

Um sinal interessante e ao mesmo tempo triste de nossa memória cultural é que muitos dos livros comentados por Leo Gilson Ribeiro de autores africanos, e que mais recentemente foram reeditados ou traduzidos pela primeira vez, infelizmente, não fazem nenhuma menção ao nosso crítico em suas respectivas introduções. Por outro lado, muitos autores por ele citados, ainda continuam inéditos esperando alguma editora que os disponibilize em boas traduções para o público ledor brasileiro.


Fernando Rey Puente

Reuso

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Por favor, cite este trabalho como:
Rey Puente, Fernando. 2022. Edited by Fernando Rey Puente. Racismo e literatura negra. Vol. 1. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.