Guilherme Scalzilli (nota sobre o livro Acrimônia)

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Caros Amigos nº 67, 2002-10. Aguardando revisão.

Guilherme Scalzilli é, fora de qualquer dúvida, um dos raros autores jovens brasileiros mais absurdamente talentosos. Se seu primeiro livro A Colina já demonstrava que ele está a um passo da genialidade, agora este segundo livro de contos, Acrimônia, será praticamente impossível distinguir qual é o conto mais arrojado, mais revolucionário. Porém, é certamente, em minha opinião, uma revolução do conto do mesmo teor que Finnegans’ Wake de Joyce. É originalíssimo – um motoqueiro fazendo suas entregas em meio à autêntica guerra, comédia e risco de morte que é o trânsito de qualquer metrópole brasileira. Chama-se “O Vingador Mascarado” e tem a dinamite dos últimos contos de Hilda Hilst, como “Teologia Natural” ou “O Vicioso Kadek”.

Guilherme Scalzilli lembrará, para muitos, a tendência naturalista de Zola a Kafka. Outros ótimos autores modernos trataram também da vida dos under-dogs, a ninguenzada dos excluídos e dos modernos semiescravos da nossa era tecnológica turbinada até à loucura, o crime, a ausência de pensamento ou emoção. João Antônio, carioca e paulista, autor de Leão de Chácara, entre muitos outros, o quase demoníaco Dalton Trevisan e até a coleção de contos, que hoje, perdão, me parece que envelheceu, O Cobrador, de Rubem Fonseca; no entanto, foi uma das matrizes, junto com as admiráveis letras de protesto e oposição civis de Chico Buarque e da música popular brasileira mais da época da ditadura de 1964. Também o curitibano Jamil Snege, que li perante uma plateia de duzentos e tantos alunos e alunas em Diadema, cidade-dormitório em torno de São Paulo. Lembro-me que uma grande parte dos estudantes universitários ficou siderada com os contos de Jamil Snege.

Mas o desenvolvimento célere da criação da melhor literatura contemporânea brasileira, se por um lado tem seus numerosos impostores e impostoras já natimortos pela anemia de talento e sinceridade, Guilherme Scalzilli – como também Raduan Nassar, mas cada um no seu estilo, embora coincidentes na incomunicabilidade retratada por Ionesco em seu teatro e pela monstruosa e fascinante pintura de Francis Bacon -, repetindo-me: Guilherme Scalzilli não terá limites prognosticáveis de quê? De um Robespierre da literatura atual brasileira? De Danton? Um nosso Thoreau irado? Um dos angry youn men do breve teatro moderno inglês do grupo Looking back in Anger? Qualquer aposta no seu nome e grandeza crescentes não cabe em qualquer roleta de qualquer cassino ou sala de vidência do mundo. Guilherme Scalzilli é talvez a voz mais intensa e séria do Brasil de nossos dias: uma voz por vezes intencionalmente chula, melancólica e descrente por temperamento; esganiçada quando necessário, mas que presença fulgurante!

Reuso

Citação

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Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. (2002) 2023. “Guilherme Scalzilli (nota sobre o livro Acrimônia).” In Grandes contistas brasileiros do século XX, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 10. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.