Vinte anos de poesia, à procura de novos caminhos

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Jornal da Tarde, 1980-07-05. Aguardando revisão.

[continuação do artigo em que analisa a trajetória poética de Marly de Oliveira e de Carlos Nejar]

No meio de sua trajetória poética também Carlos Nejar hesita entre o épico e o social, a recordação, a nosso ver nefasta, do pior Neruda, o surrelista, e momentos de uma poesia vivíssima de fora e arrebato contagiantes.

Um País o Coração opta por abolir a vírgula para cimentar mais fortemente aquilo que é a única palpitação: o Brasil e a emoção, a pátria e o ser. Curiosamente, mais uma vez Orfeu, o da Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima, está vagamente presente nessa reinvenção pessoal de uma ilíada brasileira. São centelhas flamejante que se desprendem das arestas de cada canto:

“A condição humana um vento”

“O mundo estava na infância”

“O mundo era a gravura

de alguma pátria secreta”

“O que nos difere dos mortos?

O mundo, A dividida casa

O capital da noite”.

Percorre todo o longo poema um sopitado sopro épico e social, que, todavia, deveria presidir a toda essa vasta geografia da América subjugada e resistente como se depreende dos instante magníficos:

“As eras se intercalam

na dor humana vigas”

“Cavalo o teu povo

batendo nas cordas

das ventas e ventos”

“Sem látego América

É o teu condado

e o limpo minério”

Torna-se claro o contraste entre o vigor da evocação histórica, através de associações de ideias e semelhanças de vocábulos como no trecho:

“América eu escavo

outra América

eu escavo

as florestas

este medo

eu escavo

os remendos da história

escavo escavo

o escravo

que mói

a palma

de meus sonhos

eu escavo

o teu abismo

e o ritmo

do que te chama”

E o gosto nerudianemente dúbio da metáfora:

“América é a amada

que partiu e a outra

que me achou pelo extravio

de um velocípede

num voante domingo

e a outra que chegou

por mão do esquecimento”.

Percorrer este Um País o Coração é alternar o deslumbramento com centelhas de uma originalidade marcante com outros em que o discernimento do poeta está ainda inseguro neste painel da epopéia para escolmá-lo melhor. Não há dúvida de que os grandes momentos são dignos do melhor Carlos Nejar de O Chapéu das Estações e Árvore do Mundo:

“Não há frio nem fome

a terra compreende

a dimensão do corpo

e a si mesma contra

o peso da treva

da relva do rio

A palha da terra

apascenta o homem

o gado que se cria

o chimarrão

no alpendre

Conhecemos um ao outro

Sem falar

Viajar a sua esfera

Por onde ainda é terra

Um ao outro”

Ou o friso esplêndido:

“Que raça - a dos reclusos

à mesa do poema

sedentos e oprimidos

com o pão

de um claro ajuste

Que se acheguem

Ao plácido Conselho

Suportar a loucura

Não se gasta

Nem se queima”.

Seria enfadonho repetir ad nauseuam exemplos alternados da grandeza e da perda do viço poético deste empreendimento novo de um poeta já indelevelmente inscrito entre os maiores da sua geração. O saldo já existente anula qualquer julgamento negativo de uma fase ainda não dimensionada em sua inadequação de linguagem e propósito poético.

Permanecem, portanto, tanto Invocação de Orpheu como Um País o Coração como exercicios poéticos e uma já fecunda lição rumo a um domínio mais pleno do seu estro lírico

Reuso

Citação

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Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. (1980) 2022. “Vinte anos de poesia, à procura de novos caminhos .” In Poetas brasileiros contemporâneos, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 4. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.