A delicada textura poética de Emílio Moura
A sumária classificação usual na crítica inglesa entre major poets, poetas maiores como Shakespeare e Dante, e minor poets, poetas menores, como Robert Herrick e Casimiro de Abreu, não induz a considerar os “menores” como sendo de inspiração inferior: refere-se mais à abrangência da temática de um e de outro. No caso do poeta mineiro Emílio Moura, no livro em que o crítico Fábio Lucas reuniu amorosamente uma seleta de seus versos (Poesias de Emílio Moura), na coleção toda poesia (Art Editora, São Paulo, 1991), pode-se imaginá-lo como, em contraste com Drummond, sinfônico e universal, um cultor tímido, arisco, de árias para alaúde.
Emílio Moura nunca apresnta rasgos de uma poesia que se quer imensa, catedral ou vasto afresco sobre o homem neste mundo conturbado do século XX. Seus poemas são fruto de uma sensibilidade arraigadamente introspectiva, em contato com a paisagem restrita de sua Minas Gerais natal, sem pretender grandes voos filosóficos.
Inicialmente um tanto presa a um dizer poético que hoje nos parece talvez discursivo, palavroso, de exposição um tanto excessiva de situaões e observaões humanas ditas numa prosa rimada ou não, cedo, porém, o leitor descobre, deslumbrado, a parte melhor, sucinta, recôndita, dessa poesia que se quer modesta. De fato, os versos de “Canção” e seu sentimento de “degredo” na Terra, de tristeza envolvendo o incompreensível do viver humano já assinalam a cesura definitiva. Emílio Moura revela-se por inteiro nos poemas curtos que denota a fuga de uma beleza, um ideal, uma transcendência para fora do meramente humano: “A cor mais bela do Arco-Íris foi a cor que ninguém viu… Quem é que me conta/ O que foi perdido?” Exponencialmente, o poeta quer apreender o lado abstrato além da aparência concreta da realidade: “ó noite, dai-me o sentido/ do que há de ser o Outro Lado/ que meus olhos não verão”. O Leitmotiv de uma transrealidade perdida aflora várias vezes e surge também como lamento pessoal que nasce até da contemplação da natureza e dos artefactos erguidos sobre ela pelo homem: “Por que foi que deixaram, / ah, coração duro,/ que esta estrada acabasse/ num muro?/ Por que ninguém, ninguém,/ aqui se ergueu,/ ah, coração duro,/ quando o que fui morreu?”
A apreensão do mundo está sempre impregnada de uma visão filosófica que atribui à natureza uma aparência de implícita melancolia: “Esqueço a tarde que desce/ com sua túnic fria,/ sua úmida presena,/ de musgo, silêncio, pedra.” O tempo, ele próprio, se mescla dos sentimentos humanos quando evocado: “Futuro:/ Desassossego no escuro./ Medo. Presente:/ Revoada de nada,/ simplesmente. E tu, passado:/ que fizeste deste/ coração frustrado?” Em versos doloridos mas nunca sentimentais, piegas, sempre contidos, Emílio Moura conhece a simbiose de tempoo vivido e dimensão imaginada, sonhada talvez: “Caem as horas em nós que as impregnamos/ do que a mente imagina e a alma arquiteta”. Essa progressiva desmaterialização do canto refere-se já ao inacessível: “Meu grito não chega nunca/ lá onde a aurora é possível./ A vida que nunca tive/ me sustenta sobre as águas.” Até que o imaterial de uma ideia fulge por um instante: “Súbito brilha e transcende,/ sendo rosa, a própria ideia da rosa.”
Em meio à rica e variada tradição mineira de poesia desde os primórdios do Brasil-Colõnia, a voz de Emílio Moura permanece, cristalina, remota, doida, vivíssima em sua sutil discrição.
Reuso
Citação
@incollection{gilson ribeiro2021,
author = {Gilson Ribeiro, Leo},
editor = {Rey Puente, Fernando},
title = {A delicada textura poética de Emílio Moura},
booktitle = {Poetas brasileiros contemporâneos},
series = {Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro},
volume = {4},
date = {2022},
url = {https://www.leogilsonribeiro.com.br/volume-4/13-emilio-moura/00-a-delicada-textura-poetica-de-emilio-moura.html},
doi = {10.5281/zenodo.8368806},
langid = {pt-BR},
abstract = {Jornal da Tarde, 1991. Aguardando revisão.}
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