Tutaméia: um átomo explode

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Jornal da Tarde, 1967-8-19. Aguardando revisão.

De todas as obras magistrais já publicadas pelo maior escritor que o Brasil possui, no sentido universal do termo, esta Tutaméia é, sem dúvida, a mais moderna, diríamos mesmo a mais atual no plano da linguagem. T. S. Eliot já revelara, no plano da poesia, a característica fundamental da lírica moderna: ela exige a participação plena do leitor. Este não recebe mais, toda pronta, a obra elaborada pelo artista: ao contrário, o leitor é chamado a cooperar na decifração das imagens e ideias que o poeta esboça, tornando-se ele próprio co-autor do poema, pelo quinhão de compreensão e esforço de complementação que traz à página que tem diante dos olhos.

Extensiva à prosa depois do aparecimento de Joyce, ao teatro com as obras complexas de Beckett e até mesmo à pintura – com os quadros móveis e reguláveis pelo espectador -, essa teoria de Eliot encontra, no Brasil, sua afirmação mais definitva na literatura criada pelo mestre mineiro de Grande Sertão: Veredas.

Tutaméia embrenha-se ainda mais pelas duas vertentes principais do mundo de Guimarães Rosa: o labirinto da linguagem cifrada, rica, misteriosa de signiicados e intenções e a pesquisa interior da alma humana, disfarçada e perpetuada sob a sua aparência regional, mineira, dialetal, popular e erudita ao mesmo tempo.

É significativa, aliás, que Tutaméia proponha, antes mesmo do saboroso Prefáco a advertência de Schopenhauer:

“Daí, pois, como já se disse, exigir a primeira leitura paciência, fundada em certeza de que, na segunda, muita coisa, ou tudo, se entenderá sob luz inteiramente outra”.

Prosseguindo no método que mais e mais distingue a sua criação literária recente, Guimarães Rosa torna cada vez mais sucintas as suas “estórias”, como se presidisse à sua confecção o princípio oriental do hai-kai adaptado ao conto ou alegoria: um mínimo concentrado de palavras para retratar um máximo de concentração psicológica, de explosão emotiva. Em todo o cenário da língua portuguesa nada há que se compare em complexidade de elaboração, riqueza cultural de meios linguísticos e profundidade de propósito artístico a esse mural interior de ser humano que as miniaturas de Guimarães Rosa retratam. Dentro de uma literatura ainda presa, com raras exceções, à fotografia de uma realidade social e frágeis tentativas de incorporação de técnicas do nouveau roman e do estilo kafkeano à nossa ficção, a literatura de Guimarães Rosa é, de longe, a mais jovem, a mais inovadora, a de autêntica vanguarda, décadas à frente do gosto acadêmico do grande público ainda preso ao academismo de enredo, à adjetivação à la José de Alencar quando não à literatura folclórica de laivos eróticos a “bem do nosso povo”.

Mestre Guimarães, mineiramente, constrói em silêncio, para o futuro. Sob a modéstia do título – Tutaméia em Minas significa “coisa sem valor”, “bagatela” – esconde-se a ruptura do átomo na literatura brasileira que, no plano da linguagem e da densidade dos temas, já é plenamente potência atômica de primeira grandeza com o Eisntein da nossa literatura: Guimarães Rosa.

Reuso

Citação

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Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. (1967–8AD) 2022. “Tutaméia: um átomo explode .” In Os escritores aquém e além da literatura: Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Hilda Hilst, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 2. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.