Poetisa em prosa. Qadós de Hilda Hilst

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Veja, 1973/07/11. Aguardando revisão.

Não há meio-termo: ou o leitor se deixa envolver pela cadência verbal, pela magia das imagens que Hilda Hilst faz desfilar nas quatro histórias de Qadós, ou larga o livro, entediado, incapaz de seguir um itinerário tão hermético e tão pessoal.

Hilda Hilst, 43 anos, completa com Marly de Oliveira e Olga Savary uma trindade pouco conhecida: a das melhores poetisas contemporâneas do Brasil. Dedicando-se também ao teatro – sua peça atualmente em cartaz, em São Paulo, O Verdugo, recebeu o Prêmio Anchieta em 1969 -, a autora paulista já criara na prosa um conto importantíssimo para a literatura moderna, não só em língua portuguesa: “Fluxofloema”, que deu título a seu livro anterior.

Qadós, entretanto, eriça mais ainda de dificuldades o caminho de acesso a essa literatura densa, ambiciosa e inquieta. Para o leitor não iniciado assusta a justaposição de citações eruditas de Plotino, de Stockhausen, além da forma revolucionária de encarar o relato, abandonando o academicismo formal do enredo com princípio, meio e fim, personagens coerentes e uma “mensagem” específica.

Distante dos carcomidos conceitos tradicionais da literatura, Hilda Hilst insiste em pesquisar as possibilidades vocabulares com um rigor e uma audácia raras na tímida produção literária do Brasil de hoje. Insintetizáveis em poucas frases, suas histórias são mais aventuras em que a criadora pede a cumplicidade do leitor para sua incursão pelo fantástico. As indagações religiosas, eróticas, éticas tornam Qadós um concerto camerístico por sua intimidade e uma peça de música serial pela novidade formal de sua expressão, de qualquer forma um extarordinário acontecimento num momento em que os escritores pouco ousam publicar ou inovar numa literatura estagnada e em compasso de espera.

Qadós deriva seu nome, na etimologia pessoal erigida pela autora, da raíz “qad” que significa esperar. Em termos místicos, o Qadós almeja sodomizar a Divindade para atingir a perfeita união com a Origem. Em termos literários, é superior o despojamento da primeira história (“Agda”) em que se intui a violência do incesto em meio à perpétua mudança de enfoque do ocorrido, enquanto a segunda, que dá título ao volume só cresce à medida que uma atenta e repetida releitura for revelando estruturas, intenções e acertos ocultos à primeira vista. “Agda” volta no terceiro texto e “O Oco” completa este universo espantoso, de perplexidade intensa.

Como soma final, Qadós enfeitiça pela beleza rítimica e pelo lirismo de suas evocações entremeadas de um prosaísmo chão, explícito e intencional. Mas, se Hilda Hilst já se afirmou como uma das vozes poéticas mais definitivas do nosso tempo, por que semear tantas páginas de prosa para colher um ou dois contos de deslumbrante textura e coesão? Não seria mais útil, do ponto de vista de rendimento final, concentrar no poema ou que transborda, supérflo, na prosa? Em literatura como em álgebra, há equações que o menos vale mais.

Reuso

Citação

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Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. 2022. “Poetisa em prosa. Qadós de Hilda Hilst .” In Os escritores aquém e além da literatura: Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Hilda Hilst, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 2. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.