Sobre o conto ‘A Hora e a Vez de Augusto Matraga’

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Inédito, Sem data. Aguardando revisão.

Com “A Hora e Vez de Augusto Matraga” João Guimarães Rosa definitivamente encerra uma fase de sua criação literária. E encerra a série de contos, o livro Sagarana. “A Hora e a Vez” é então preliminarmente o ponto final de uma primeira fase: saga vem de línguas nórdicas, significando estórias do gênero épico ou heroico e rana do tupi que significa semelhança, portanto sagarana são coisas narradas parecidas com estórias, à feição de contos. É uma forma de modéstia do autor de achar que estas são apenas arremedos de histórias e é uma inovação de linguagem ligar eufonicamente uma raíz estrangeira, nórdica, com um sufixo tupi, brasileiro, unindo assim designações culturais extremas: o louro nórdico e o nativo brasileiro, ambos antropologicamente idênticos como formadores de culturas. Neste caso uma cultura híbrida: a brasileira.

Depois de Sagarana Guimarães Rosa vai trilhar caminhos cada vez mais difíceis para o leitor. Para o leitor preguiçoso que o abandonará com um boncejo de enfado, sem entender aquela algaravia. Para o leitor inculto que se sentirá insultado por desconhecer tantas palavras do dialeto mineiro e palavras cultas, clássicas do português, mantidas intactas em sua acepção e seu vigor pelos habitantes daquela Minas Gerais ilhados sem estradas séculos a fio, sem contato cexterior deformador da sua cultura própria, poular e culta, deformada e pura ao mesmo tempo.

A partir de Sagarana Guimarães Rosa irá aproximar-se muito mais de Joyce e pesquisar a linguagem, aumentar o número de palavras novas que inventa para colher o voo de um pássaro, para descrever estados de espírito.

Como desde o primeiro conto, desde a primeira obra publicada, porém, o grande escritor mineiro será sobretudo um autor que pode ser lido em múltiplas leituras. “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” pode ser lido como um conto social, como um conto regional, omo um conto moral etc.

Numa primeira abordagem seria possível reconhecer em “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” sua filiação àquela escola literária alemã que os alemães convencionaram chamar de Erziehungsroman, ou seja, um romance em que o personagem principal através do sofrimento aprende verdades morais sobre as quais a vida se fundamenta. Ele então se torna menos leviano. Ele se torna sábio. É um romance edificante e sem dúvida com um ponto de vista inatacável porque desemboca na moral, na relação ética do homem com o seu semelhante e consigo mesmo.

Nós sabemos que tanto a sociologia como a psicologia, a política como a religião, têm como centro inicial e final essa relação causal entre o homem e a maneira pela qual ele se comporta com o seu próximo. A religião, porém, ressalta sobretudo o valor transformador da bondade para com o próximo, o valor da redenção da alma do benfeitor como que santificado através de suas boas ações voluntárias de desapego, de solidariedade, de ausência de egoismo.

Então neste caso Augusto Matraga é um personagem que se transforma através do sofrimento e com isso transforma os demais. Sua história é linear. No princípio ele nem se chama Matraga.

“Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves, filho do coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Saco da Embira. Ou Nhô Augusto – o homem – nessa noitinha de novena, num leilão de atrás da igreja, no arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Côrrego do Murici”.

Matraga ou Nhô Augusto é um homem violento, é um ditador do sertão mineiro, temido por todos, mau, cachaceiro, péssimo esposo, pai indiferente. Homem arbitrário. Mas a mulher leva a filha e o deixa por outro. Suas terras – murmura o povo – estão cada vez mais fugindo da sua posse. Ele não paga a seus homens. E um major mais poderoso se adianta, compra seus capangas, eles surram o detestado e temido falso rei e o largam meio morto no fundo de um abismo. Um casal de pretos bondosos e míticos recolhe aquele mulambo humano e à custa de muitos cuidados e muitas rezas devolvem-lhe a saúde. Matraga passa por uma radical transformação: torna-se altruísta, humilde, ajuda os outros sem aceitar nunca pagamento, só amizade. E um padre que vem benzê-lo naquela fundura de mundo lhe assegura que a sua hora e vez há de chegar.

Com as forças recuperadas em grande parte Matraga deixa os pretos velhos com tudo que tinha e parte para outros rumos, montado num jumento. Encontra um cego. Encontra uma boiada. E encontra a tropa do bandido mais cruel e assustador de toda aquela região do norte de Minas: Joãzinho Bem-Bem. Joãozinho Bem-Bem – coisa rara – sente uma imensa simpatia pelo homem estropiado e em farrapos. Matraga dá volta, oferece sua casa e tudo que tem do melhor para o hóspede tratado não com medo, mas com respeito e uma simpatia mútua.

Joãozinho Bem-Bem percebe que por detrás daquele monte de fracasso humano se esconde um homem já vivido, que sabe manejar um revólver e uma garrucha tão bem quanto o melhor dos seus capangas. Convida Matraga a integrar-se ao grupo. Matraga sente a tentação de vingar-se. Matar a mulher, o amante, o major que lhe tomara as terras, os antigos seguidores que o moeram de pauladas e punhaladas que o deixaram semi-morto. Mas resiste. Cada um parte em viagem para seu caminho.

Caminho que numa cidade adiante, porém se entrecruzam novamente. Todos do povoado estão apavorados com a ira de Joãozinho Bem-Bem. Um de seus jagunços foi morto pelas costas, o Juruminho foi morto por um rapaz das redondezas, que fugiu. Pela lei do sertão a família é que paga.

O avô do assassino fujão se apresenta. Ajoelha-se diante daquele chefe cruel e se oferece de vítima: ele é velho mesmo, Joãozinho Bem-Bem deve aceitar matá-lo e deixar o moço fugido perdoado.

Não, Joãzinho Bem-Bem quer matar um dos dois rapazinhos irmão do fujão e entregar as mocinhas da família para os homens do seu bando. Não se abala com as súplicas do velho que invoca Deus e a Nossa Senhora.

Aí chega a hora e vez de Augusto Matraga.

Matraga aconselha Joãozinho Bem-Bem seu amigo querido a perdoar o velho e o fujão, os meninos e as moças. Como não é atendido, segue-se o duelo que dá fim ao conto: Matraga mata Joãozinho Bem-Bem e morre dos ferimentos que recebe dele. Perdoa a mulher, o major, todos os inimigos, abençoa a filha que virou prostituta e acha “tudo em ordem” e morreu.

Reuso

Citação

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Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. 2022. “Sobre o conto ‘A Hora e a Vez de Augusto Matraga’ .” In Os escritores aquém e além da literatura: Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Hilda Hilst, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 2. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.