Guimarães Rosa

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Revista Goodyear, Sem data. Aguardando revisão.

Recentemente, a corajosa ousadia de um diretor, Walter Avancini, levou à tela da televisão de milhões de brasileiros uma história diferente de tudo o que o aparelhinho mágico já apresentara em trinta anos de adaptação ao Brasil. Grande Sertão: Veredas de um tal de Guimarães Rosa deixava o espectador ao mesmo tempo fascinado e sem entender bem. Havia palavras arrevesadas – “ele tinha conspeito tão forte”, “verde que afina e esveste, belimbeleza”, “não se importava, mesmo dava sua placença”. Depois, que história era aquela de um caipira lutador, um jagunço ignorante, falar de Deus e do Diabo a toda hora? Cobras, jacarés, rios, vales sombrios, chapadas longas e o Rio São Francisco, cataratas e bosques de buriti – a natureza luxuriante invadia as salas de estar das cidades brasileiras como se fosse um mundo exótico e indecifrável, selvagem, mas com suas leis crueis, próprias de feras. Feras eram os jagunços também em luta de vários anos, pelejas contra o governo ou contra os coroneis do sertão: cuspes, escarros, melodias cantadas ao som de violas, traições punidas com castrações – se havia uma Lei no Sertão ela era primitiva, tosca, rude como aqueles homens presos a ordens do Chefe, em busca do inimigo como se fosse caça perigosa. O personagem que parecia ser o principal, o jagunço Riobaldo, hesitava o tempo todo entre Deus e o Demônio. O Diabo existe? ele perguntava, atormentado, como se sua perdição ou salvação dependesse disso, a milhões de telespectadores, crianças, adolescentes, homens e mulheres de meia-idade, velhos em asilos e grupos de pessoas reunidos em bares e botequins por esse Brasil adentro.

O mais estranho era aquele Diadorim, companheiro do jagunço e com ares de mistério: seria um efeminado por quem cada vez mais o jagunço Riobaldo se sentia atraído? E essas imundícies já se levavam aos lares católicos, tementes de Deus, do Brasil colocao sob o manto protetor e impoluto de Nossa Senhora Aparecida, Cruz credo?! Por último, a violência: pior que bangue-bangue norte-americano! Era tiro de tudo que era lado e os homens eram sangrados, de cabeça para baixo, como se fossem bois; os atos mais crueis eram considerados naturais – o que queria dizer aquela sucessão de imagens místicas e bárbaras, sem pé nem cabeça? Era uma história de um amor inconfessável ou era uma batalha medieval entre peões miseráveis do interior do Brasil, no tabuleiro de xadrez do Poder, do Mando, chefiados por líderes inescrupulosos? Onde estavam os “mocinhos” se de repente viravam “bandidos”? Se tiravam a bússola da cabeça do público e impossibilitavam a compreensão da novela? Ou será que nem novela direito não era?

As vendas do romance de quase 600 páginas subiram rapidamente durante a exibição da sua adaptação para a televisão. Mas os leitores teriam a paciência já oriental necessária para ir saboerando o livro, decifrando palavas, procurando muitas no dicionário e deixando que outras, inventadas pelo autor, os envolvessem com seu encanto de coisa nova, nunca dita antes, como por exemplo, para descrever o voo de um passaro ou a mansidão de uma lagoa funda?

Talvez ajude a penetração dessa mata quase virgem esta série de dados sobre o escritor mineiro João Guimarães Rosa: faceiro, eternamente de gravatinha borboleta, ele conhecia um grande número de línguas – francês, inglês, espanhol, alemão -, incluindo-se nessa lista idiomas que estudava até altas horas da noite como o sânscrito e o hebraico, o latim e o grego antigo, além do tupi-guarani, do húngaro, do japonês e do chinês. Era como se ele quisesse chegar ao topo da Torre de Babel para daí descortinar o panorama total da linguagem humana. Suas leituras eram quase que exlusivamente de filósofos, como Platão ou Plotino, de vidas de santos e de místicos, Santa Teresa de Ávila, Santo Inácio de Loyola, os grandes Mestres da Igreja como Santo Tomás de Aquino e a esplêndida literatura mística do Extremo Oriente. Foi dele que pela primeira vez ouvi trechos dos Upanishads, dos Vedas da Índia, intercalados entre episódios do Velho Testamento judaico ou da Kabbala e de textos sobre alquimia ou profecias, Paracelso, o Apocalipse de São João Evangelista.

Aborrecida a conversa de Guimarães Rosa? Erudita demais? Pelo contrário. Ele era um dos mais deslumbrantes narradores orais. Nada do que relatava ou escrevia era banal. Na sua obra não há espaço para o lugar-comum. Ele é o nosso Joyce, o revolucionário autor de Ulisses, a enveredar por caminhos da criação de termos, de situações inéditas. Formado em medicina, mineiro, profissionalmente exercia um alto cargo no Ministério das Relações Exteriores, no setor de fronteiras e ele ria muito quando eu lhe dizia que ele só podia ter aquela incumbência mesmo, a de demarcar as fronteiras entre o Real e o Transcendente. Pois se ele e o Riobaldo só queriam o além do aparente, Deus por trás do oculto e do efêmero!

Estas linhas do Grande Sertão: Veredas traduzem bem a preocupação sempre presente com um Deus que não se vê, mas que age nas coisas mais miúdas, quando Riobaldo relata a um interlocutor atento e silente, que o escuta desfiar a estória da sua vida, agora que está afastado dela, velho, deitado numa rede na quietude da paz e do casamento numa fazenda do interior de Minas:

“E outra coisa: o diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro!

Ah, uma beleza de traiçoeiro – dá gosto! A força dele, quando quer – moço! – me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, só caldo de casca de curtir, barbatimão, angico, lá sei – “Amanhã eu tiro…” – falei comigo. Porque era de noite, luz nenhuma eu não disputava. Ah, então, saiba: no outro dia, cedo, a faca, o ferro dela, estava sido roído, quase por metade, por aquela aguinha escura, toda quieta. Deixei, para mais ver. Estala, espoleta! Sabe o que foi? Pois, nessa mesma tarde, aí: da faquinha só se achava o cabo… O cabo – por não ser de frio metal, as de chifre de galheiro. Aí está: Deus… Bem, o senhor ouviu, o que ouviu sabe, o que sabe me entende…”

Guimarães Rosa me confessou que começou a escrever, no Rio de Janeiro, porque sentia imensa saudades de Minas. Sempre que podia, fugia para o meio daqueles vaqueiros rudes, levando em torno do pescoço um barbante ou um fio de arame do qual pendia um caderninho de anotações. Cada vez que ouvia uma palavra ou frase original, ele a anotava ali mesmo, por um sistema de taquigrafia de sua própria invenção. Como Minas esteve durante séculos separada de outros Estados brasileiros por suas altas montanhas e desprovida de rodovias, alguns lugares guardam ainda palavras e expressões dos séculos XVII, XVIII, que se cristalizaram lá. Quando em Portugal se publicaram as obras de Guimarães Rosa houve muitos críticos eruditos portugueses que nele reconheceram… um clássico da língua como o Padre Vieira, por exemplo, pela sua linguagem perfeita, escorreita, castiça! São mineirices que Guimarães Rosa considerava com humor: uai, pois se aqui no Brasil vivem dizendo que eu invento palavras e elas estão nos dicionários dos clássicos da língua portuguesa, como ficamos? E ria sonoramente.

Em Grande Sertão: Veredas o leitor sempre encontra uma dificuldade inicial que muitas vezes desanima. A paixão que Guimarães Rosa tinha pelas palavras cega, ofusca, desafia e em muitos casos desencoraja o leitor a princípio. O ex-jagunço Riobaldo agora posto em sossego de começo não sabe como ordenar suas ideias. Começa a contar trechos da sua vida, depois volta atrás, hesita: deve confiar em quem o ouve com tanta atenção, aparentemente uma pessoa de fora, culta, civilizada? Outras vezes ele se retrai e torna a sua compreensão mais difícil ainda por aludir a episódios da da sua vida passada através de símbolos, de metáforas. Quando fala no longo de sua conclusão de que o encanto que sente pelo amigo de armas, Diadorim, só pode ser artimanha do Diabo para carregá-lo para as profundezas do inferno, ele está criando suspense ou está buscando uma explicação e um perdão para esse pecado?

Durante quinhentas e tantas páginas, quase até o fim, Guimarães Rosa mantém o leitor preso ao desvendamento-chave: Diadorim era uma moça, disfarçada de homem, para poder lutar contra os inimigos de sua família. Em muitas lendas medievais e até mesmo no episódio histórico de Joana D’Arc, uma moça guerreira é forçada a se disfarçar para poder atingir os seus objetivos. Em muitas comédias de Shakespeare confundem-se s sexos e essa androginia falsa causa situações hilariantes, de nobres apaixonados por seus vassalos até o final da revelação que sela o final feliz romântico. Aqui não há final feliz possível. Diadorim morre em combate e é desnudada por uma mulher caridosa. Riobaldo chora sobre seu cadáver o amor proibido, impossível, amaldiçoado quando julgava que ela fosse homem, seu companheiro Diadorim. Terminado o combate contra o demo, o monstruoso Hermógenes, “Diadorim tinha morrido – mil-vezes-mente – para sempre de mim; e eu sabia, e não queria saber, meus olhos marejaram.” Ou transcrevendo grande parte desse verdadeiro Réquiem sinfônico magnífico do descobrimento da verdadeira identidade do amado, na realidade amada:

“Aquela Mulher não é má, de todo. Pelas lágrimas fortes que esquentavam meu rosto e salgavam minha boca, mas que já frias já rolavam. Diadorim, Diadorim, oh, ah, meus buritizais levados de verdes… Buriti, do ouro da flor… E subiram as escadas com ele, em cima da mesa foi posto. Diadorim, Diadorim – será que amareci por metade? Com meus molhados olhos não olhei bem – como que garças voavam… E que fossem campear velas ou tocha de cera, e acender altas fogueiras de boa lenha, em volta do escuro do arraial…

Sufoquei numa estrangulação de dó. Constante o que a Mulher disse: carecia de se lavar e vestir o corpo. Piedade, como que ela mesma, embebendo toalha, limpou as faces de Diadorim, casca de tão grosso sangue, repisado. E a beleza dele permanecia, só permanecia, mais impossivelmente. Mesmo com jazendo assim, nesse pó de palidez, feito a coisa e máscara, sem gota nenhuma. Os olhos deles ficados para a gente ver. A cara economizada, a boca secada. Os cabelos com marcas de duráveis… Não escrevo, não falo! – para assim não ser: não foi, não é, não fica sendo! Diadorim…

Eu dizendo que a Mulher ia lavar o corpo dele. Ela rezava rezas da Bahia. Mandou todo o mundo sair. Eu fiquei. E a mulher abanou brandamente a cabeça, consoante deu um suspiro simples. Ela me mal-entendia. Não me mostrou de propósito o corpo. E disse:

Diadorim – nu de tudo. E ela disse:

“- A Deus dada. Pobrezinha…”

E disse: Eu conheci! Como em todo o tempo antes eu não contei ao senhor – e mercê peço – mas para o senhor divulgar comigo, a par, justo o travo de tanto segredo, sabendo somente no átimo em que eu também soube… Que Diadorim era corpo de uma mulher, moça perfeita… Estarreci. A dor não pôde mais do que a surpresa. A coice d’arma, de coronha…

Ela era. Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível, e levantei mão para me benzer – mas com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei as lágrimas maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucaia, como eu solucei meu desespero.

O senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real.

Eu estendi as mãos para tocar naquele corpo, retirando as mãos para trás, encendiável; abaixei a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca. Advinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata… Cabelos que, no só ser, haviam de dar para baixo da cintura… E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo:

  • “Meu amor!…”

Foi assim. Eu tinha me debruçado na janela, para poder não presenciar o mundo.”

Grande Sertão: Veredas entrelaça esse idílio trágico com batalhas cruentas, com causos esquisitos de feitiçaria, de julgamento de um jagunço, Zé Bebelo, pelo bando, com a intervenção da natureza: ora bravia e indomável, ora um remanso de tranquilidade: são as veredas, verdadeiros oásis que racham os chapadões gigantescos com seu frescor, seu buritizal verde, sua vegetação luxuriante, seu solo apto para o cultivo do gado, para a plantação e o bem-estar.

Sem dúvida, há relações de cunho histórico e social entre Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa e Os Sertões de Euclides da Cunha. As diferenças no tempo não têm aqui muita importância. Para ambos os grandes escritores – autores de obras-primas em qualquer literatura do mundo – o sertanejo, o jagunço, o interiorano têm todo um código de vida, de honra, de hierarquias que a civilização urbana, hoje tecnológica, vai destruindo implacavelmente, uniformizando todas as influências locais. Uma guerra silente se desenvolve entre as rezas mágicas para curar picada de cobra e os soros anti-ofídicos da medicina do litoral brasileiro e europeizado e norte-americanizado. A natureza, muitas e muitas décadas antes que se falasse em ecologia, já avassala a vida de todos os seres vivos, impõe a sua lei e hora: desafiada, ela arrasa com tudo que a contradiz. Igualmente o temor a Deus, mesmo quando se trate de um sentimento religioso mesclado, em que o catolicismo e os ritos indígenas e africanos se misturam, contrasta vivamente com o comportamento fútil, superficial dos que perderam a crença em Deus e o substituíram nas cidades pelas drogas, pelo sexo; pela velocidade do automóvel e da motocicleta.

Os princípios éticos à vida alheia, de justiça com um bem tão alto e tão fundamental quanto a liberdade, temperam a alma sertaneja e fanatismos políticos: a guerra santa é apenas contra “os hereges”, os malvados, os que destroem o equilíbrio da estrutura social: os “republicanos”, no caso de Os Sertões, os sem-lei nem Deus, no caso de Grande Sertão: Veredas.

O impacto das imagens e do linguajar estranho desse romance único na língua portuguesa e mesmo em toda a literatura ocidental entontece o leitor como fez estremecer o telespectador. O cosmos de Guimarães Rosa, riquíssimo e complexo, não se reduz apenas a ser o relato épico de uma Guerra de Tróia, uma Ilíada sertaneja. Busca a resposta religiosa, filosófica para as questões mais enraizadas na alma humana: se existe Deus, por que o Mal campeia solto pela terra? Há um sentido final, oculto, para a vida? Haverá a recompensa dos que foram bons e o castigo para os que foram crueis? A vida tem sentido ou é um caso absurdo?

Quem está familiarizado com a grande literatura de outros países reconhece facilmente a semelhança de Guimarães Rosa com as inerrogações abissais de Dostoiévski, de Shakespeare, de Virgínia Woolf, de Faulkner, de Flaubert. Com a diferença de que Guimarães Rosa nunca negou sua condição de místico em busca eterna de Deus. Ele me dizia que a Literatura não é para derramarmos nossas neuroses sobre os outros, a Literatura não é catarse: é um meio de “afinar” o grosso da vida e buscar o imutável e sublime do divino, liberto do efêmero humano. Seu ponto de vista se aproxima frequentemente, do Hinduísmo indiano que vê a vida apenas como maya, uma teia enganadora de ilusões. Somos sombras. Somos nada mais do que sonhos sonhados por Deus ou pesadelos que Deus permite que o Diabo tenha fugazmente.

Naturalmente, Grande Sertão: Veredas não é um livro ideal para quem quer se iniciar na leitura do mundo fantástico de Guimarães Rosa. Aí, o itinerário por degraus de dificuldades teria que começar, é claro, por Sagarana (uma construção em que o termo escandinavo saga, lenda ou narração se junta ao sufixo tupi-guarani rana, “à maneira de”, como se fosse). Depois os contos de Corpo de Baile precederiam as Primeiras Histórias com seus acontecimentos misteriosos e incompreensíveis pela lógica: o pai que em “A Terceira Margem do Rio” abandona a família e vai ficar no meio da correnteza do rio, segurando os remos de uma canoa teria enlouquecido ou buscava Deus, a morte, uma penitência, uma Graça? Ou ainda “Soroco, Sua Mãe, Sua Filha” com o desconcertante desfecho da população que acompanha o infeliz Soroco, que acabara de colocar no trem rumo ao hospício na Capital a própria mãe e a irmã, ambas completamente loucas: todos se põem a entoar as canções alegres, sem pé nem cabeça, que elas entoavam depois de perderem o juízo…

“Meu Tio, o Iauaretê”, em Estas Histórias impedirá muitos de dormir com a transformação assassina do índio que mantinha relações com as onças, assim como “Os Chapéus Transeuntes” trará gargalhadas a todos os que não conhecem o lado hilariante, brejeiro, matreiro, da graça mineira de Guimarães Rosa.

Por que insistir na graça mineira se tudo em Guimarães Rosa é entranhadamente, conscientemente, inconfundivelmente mineiro?

Há páginas quase que escondidas, de tão pouco divulgadas, de Guimarães Rosa sobre Minas Gerais, como estas poucas, retiradas de um capítulo muito mais longo e igualmente enfeitiçador do seu volume Ave, Palavra:

“… Mas, entretanto, cuidado. Falei em paradoxo. De Minas, tudo é possível. Viram como é de lá que mais se noticiam as coisas sensacionais ou esdrúxulas, os fenômenos? O diabo aparece, regularmente, homens e mulheres mudam anatomicamente de sexo, ocorrem terremotos, trombas-d’água, enchentes monstras, corridas-de-terrenos, enormes ravinamentos que desabam serras, aparições meteóricas, tudo o que aberra e espanta. Revejam, bem. Chamam a seu povo de”carneirada”, por que respeita por modo quase automático seus Governos, impessoalmente, e os acata; mas, por tradição, conspira com rendimento, e entra com decisivo gosto nas maiores rebeliões. Dados por rotineiros e apáticos, foram de repente à Índia, buscar o zebu, que transforma, dele fazendo uma riqueza, e o exportam até para o estrangeiro. … Disse que o mineiro não crê demasiado na ação objetiva; mas, com isso, não se anula. Só que mineiro não se move de graça. Ele permanece e conserva. Ele espia, escuta, indaga, protela, ou palia, se sopita, tolera, remancheia, perrengueia, sorri, escapole, se retarda, faz véspera, tempera, cala a boca, matuta, destorce, engambela, apuleia, se prepara. Mas, sendo a vez, sendo a hora, Minas atende, entende, atende, toma tento, avança, peleja e faz. Sempre foi assim. Ares e modos. Assim seja…”

Guimarães Rosa na sua aparência pacata, ensimesmada, detonou na literatura em língua portuguesa uma bomba atômica, conseguiu a fissão do átomo da linguagem, com uma inigualável sabedoria que conseguisse ao mesmo tempo inovar dentro do tradicional, criar o inédito com material misto: arcaico e inventado. Ou como alguém que magicamente obtivesse da literatura não apenas o espelho das situações humanas, mas um reflexo recôndito, admirável pela sua revolução estética e pelo seu inquisidor espírito, um reflexo do Absoluto: os vestígios mais ínfimos de Deus penetrando sutilmente o tecido carnoso da vida, a vida, que ele chama de essa travessia para o Eterno.

Reuso

Citação

BibTeX
@incollection{gilson ribeiro2021,
  author = {Gilson Ribeiro, Leo},
  editor = {Rey Puente, Fernando},
  title = {Guimarães Rosa},
  booktitle = {Os escritores aquém e além da literatura: Guimarães Rosa,
    Clarice Lispector e Hilda Hilst},
  series = {Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro},
  volume = {2},
  date = {2022},
  url = {https://www.leogilsonribeiro.com.br/volume-2/1-guimaraes-rosa/03-guimaraes-rosa.html},
  doi = {10.5281/zenodo.8368806},
  langid = {pt-BR},
  abstract = {Revista Goodyear, Sem data. Aguardando revisão.}
}
Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. 2022. “Guimarães Rosa .” In Os escritores aquém e além da literatura: Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Hilda Hilst, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 2. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.