Tese e Antítese de Eça de Queirós

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Diário de Notícias, 1964-08-02. Aguardando revisão.

Dentre os raros críticos de nível internacional com que conta a vida intelectual brasileira, Antônio Cândido ocupa com justiça uma posição ímpar, como um dos mais profundos e inspirados intérpretes da nossa literatura e de autores estrangeiros. Seu último livro, que inaugura a Coleção Ensaio da Companhia Editora Nacional, denominado Tese e Antítese, abrange cinco estudos ainda não editados sobre dois romancistas estrangeiros (Alexandre Dumas e Joseph Conrad) e três de língua portuguesa (Eça de Queirós, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa), além de um addendum dedicado às relações entre a música e a vida de Stendhal.

Trata-se de um volume de crítica magistral, de admirável pregnância intelectual, de autenticidade da indagação e da erudição, de requintada sensibilidade recriadora do universo que cada escritor oferece à percepção de cada leitor. Esse lançamento demonstra cabalmente que se um autor da magnitude de Guimarães Rosa inaugura quase uma literatura, à semelhança de um Shakespeare inaugurando o teatro inglês - ele é seguido a pari passu por scholars de extradordinária acuidade e capacidade interpretativa.

Na impossibilidade de atermo-nos a uma divulgação de todos os capítulos que comporta esta obra marcante, definitiva mesmo em muitos de seus aspectos, seja-nos permitido limitar-nos aos que nos parecem fundamentais pelo menos sob o ponto de vista de nossa afinidade com os escritores estudados, sem com isso querer fragmentar ou deformar a visão total que o autor consegue integralmente em seu livro. Faremos referência portanto somente às seções que tratam da obra de Eça de Queirós e de Guimarães Rosa.

Como demonstra toda esta estruturada Tese e Antítese, cada autor, de língua portuguêsa ou estrangeira, é visto sob o prisma dinâmico da sua evolução pessoal ou artística (quando não ambas), que traz paralelamente à sua criação literária uma evolução, a marca de uma transformação essencial de perspectiva e de intenção artística.

Partindo da polaridade fundamental da obra de Eça de Queirós - a oscilação entre o campo e a cidade -, o crítico paulista traça a traejtória dessa parábola que redundará na sedução do grande escritor pelo velho Portugal, pelo valor ético “dos aristocratas rurais que pasam a ser os detentores da fibra ou da generosidade que falecem ao Portugal urbano e burguês”. O socialista militante das palestras que hoje se diriam “engajadas”, pronunciadas no Cassino Lisbonense, envereda inicialmente pelos romances “doutrinários” quase, numa crítica militante, por meio da literatura, das classes conservadoras e ant-progresso responsáveis pelo atraso de Portugal com relação a outros países da Europa Ocidental no século XIX. Depois de As Farpas, O Crime do Padre Amaro é uma condenação veemente do meio rural português, à qual se segue a dissecação impiedosa do meio lisboeta urbano, contida em O Primo Basílio. O “Urbanismo” do satírico autor lusitano o conduz a um amargo pessimismo derivado da dúvida que tem de seu país poder adaptar-se ao século industrial e que eclodirá integralmente na Correspondência de Fradique Mendes. Chega ao ápice, na carreira e na trajetória das ideias de Eça, a batalha que na Espanha travarão os membros da generación del ’98, defensores de uma hispanidad intransigente, livre de importações estrangeiradas e os que, ao contrário, propugnavam um diálogo entre a grnade nação ibérica e os países europeus seus contemporâneos, uma “europeização” da Espanha para sua integração social, técnica e econômica no seu século.

Mas como assinala o crítico com propriedade, Os Maias documentam o primeiro “recuo ideológico e equivalem ao único equilíbrio entre o campo e a cidade em sua obra”. Evidentemente, A Cidade e as Serras comprovam a sua capitulação perante os valores eternos no campo português com sua paz “que curas as feridas abertas pela cidade, o socialista se abandona à poesia agreste, à convenção bucólica”. Seu romance A Ilustre Casa de Ramires seria assim o “menos proselitista, o mais compreensivo”, em que o escritor se abranda perante os defeitos e fraquezas de sua gente e sua literatura simultaneamente se humaniza.

Nas considerações finais, lapidares no melhor sentido que este termo possa ter, o crítico distingue as tarefas e as limitações da sociologia e da política, matérias somente subsidiárias à compreensão plena de uma obra literária. Esta, porém, só pode ser aquilatada definitivamente por críticos literários: “Em crítica, os julgamentos de natureza política são dos mais arriscados, porque relegam o fenômeno literário para uma esfera inferior, confundindo os planos e nos expondo aos piores equívocos. É importante também a distinção arguta que estabelece ao constatar que”(…) o ruralismo desse grande escritor tão sensível à dimensão social (…) constitui uma opção de ordem estética, não política” (nosso o grifo). Eça de Queirós, recorda Antônio Cândido, ao mesmo tempo que se votava a romances de apologia do sadio meio rural português, escrevia artigos politicamente dos mais avançados sobre o socialismo, a burguesia capitalista e o imperialismo econômico. As observações finais aplicam-se integralmente às “críticas obscurantistas de fanáticos tanto da esquerda quanto da direita que desejam instaurar no setor da lieratura e das artes um espírito inquisitorial doentio e deformante, além de profundamente esterilizador”.

Saibamos apreciar esteticamente uma acomodação que pode ferir o nosso gosto político, mas graças à qual pôde realizar A Ilustre Casa de Ramires e ainda: “As conjecturas de ordem política trazem algum auxílio ao estudo do problema, mas não devem erigir-se em critério de julgamento. Na literatura - o que nos interessa aqui - é avançado o que é perfeito, traduzindo uma compenetração adequado do espírito criador com a sua matéria plástica (…) Coincidindo com algumas das tendências pessoais e sugestões sociais mais arraigadas em Eça de Queirós, a visão compreensiva lhe permitiu, tanto quanto a oposicionista, a realização desse ideal de arte. O resto não é literatura”.

Reuso

Citação

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Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. (1964) 2022. “Tese e Antítese de Eça de Queirós .” In Redescobrindo Portugal: Perfis e depoimentos de alguns escritores portugueses, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 6. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.