Leia esse ótimo livro de contos de muitas Marias e muitos Joões cheios de muita vida e amor
Desastres do Amor, Dalton Trevisan, Editora Civilização Brasileira.
“Maria, filha de Maria, a filha de Maria, tem trinta e um desgostos. Lava a roupa, lava a louça, varre que varre, e a patroa – Jesus Maria José! – a patroa ralhando”
(Início do conto “As Marias”)
“Seria um donzel até ganhar a confiança de sua bela.
Você é loura natural?
Isso mesmo.
A fama da loura é de fria. Só que eu não acredito.
Bem. A loura não é como a morena.
A morena é mais carinhosa. Você não é católica, é?
Sou calvinista.
Calvinista, aí, de rostinho abrasado na mesma hora.
A religião moderna não faz, assim, da virgindade um cavalo de batalha. A moça, sem deixar de ser direita, pode ter sua experiência. Está autorizada pelo pastor a conhecer os prazeres da vida.
… (“Arara Bêbeda”)
“Escrevo-te estas poucas linhas para recordar o passado entre nós dois. José, desde aquele dia em que me encontrei com você na praça Tiradentes e depois você não veio mais falar comigo, eu fiquei muito triste, mas não deixei de pensar em ti, o amor que eu tenho por você nunca tive por outro moço, só por você mesmo…” (“Querido José”)
Curitiba de repente se transformou na capital literária do Brasil. Criou um prêmio literário que nem a opulência de São Paulo nem a tradição cultural do Rio ousaram imaginar: 10 milhões de cruzeiros velhos para os melhores três contos selecionados em abril último.
Curitiba, “onde o céu azul não é azul. Curitiba que viajo. Não a Curitiba para inglês ver. Curitiba me viaja”. Em Curitiba está um dos melhores contistas do Brasil: Dalton Trevisan. O autor de Novelas Nada Exemplares utiliza fundamentalmente Curitiba como miniatura do mundo no seu mais recente e importante livro. Desastres do Amor é o lançamento mais interessante do ano, com seu labirinto em que Joões e Marias anônimos percorrem todas as fases dos desatinos do amor. A esposa semianalfabeta que por meio de “mal traçadas linhas” comunica ao marido que comprou um vestido de cetim preto e está pronta a atear gasolina ao corpo se ele não a receber, pecadora arrependida, de volta. O médico libidinoso que faz do seu consultório a central de obtenção de sexo e ausculta as clientes promissoras como um periscópio em busca de águas tranquilas. Os irônicos “Contos dos Bosques de Curitiba” – símbolo da Babilônia moderna em que se desenrolam os destinos, desencontros e breves alegrias do amor – desfila por essas páginas que às vezes têm a concisão de um hai-kai japonês, sugerindo, com o mínimo de palavras, o máximo da tragicomédia desse mais universal dos sentimentos humanos. É um dos grandes momentos do conto brasileiro – até mesmo do conto latino-americano – que Dalton Trevisan traz de Curitiba para a nossa literatura nesse lapidar, magistral caleidoscópio do amor que gira diante dos olhos do leitor.
Reuso
Citação
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author = {Gilson Ribeiro, Leo},
editor = {Rey Puente, Fernando},
title = {Leia esse ótimo livro de contos de muitas Marias e muitos
Joões cheios de muita vida e amor},
booktitle = {Grandes contistas brasileiros do século XX},
series = {Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro},
volume = {10},
date = {2023},
url = {https://www.leogilsonribeiro.com.br/volume-10/02-dalton-trevisan/00-leia-esse-otimo-livro-de-contos.html},
doi = {10.5281/zenodo.8368806},
langid = {pt-BR},
abstract = {Jornal da Tarde, 1968-9-19. Aguardando revisão.}
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