A perfeição contundente e sublime dos contos de Trevisan. Segundo o seu tradutor nos EUA (entrevista a Gregory Rabassa)

Autor

Leo Gilson Ribeiro

Resumo
Jornal da Tarde, 1979-9-1. Aguardando revisão.

Integrante destacado e militante da delegação dos EUA à Reunião Mundial do Pen-Clube, realizado no Rio de Janeiro, o professor Gregory Rabassa, de origem catalã, mora com a esposa e os filhos em Nova York, onde leciona no Queens College. Excelente tradutor de Dalton Trevisan nos EUA, é talvez o intelectual norte-americano que melhor conhece a literatura brasileira de Gregório de Matos a Guimarães Rosa, Sua tese de doutoramento sobre o assunto foi recebida com a nota máxima na Universidade de Harvard.

LGR: Professor Gregory Rabassa, a primeira pergunta que eu queria fazer-lhe era sobre a paixão literária que temos em comum: Dalton Trevisan, que o sr. acabou de traduzir magistralmente nos EUA, com a seleção de seus contos intituladas, em inglês, The Vampire of Curitiba and Other Stories. O sr. poderia falar sobre aquela que eu considero a importância capital do autor paranaense para a literatura internacional contemporânea?

GR: “A primeira vez em que tomei conhecimento das obras do Dalton Trevisan foi aqui no Brasil, em 1962, quando estive procurando autores inéditos para o público norte-americano. Eu era, naquela época, editor de assuntos latino-americanos de uma revista quadrimestral literária dos EUA, que fechou como tantas outras ótimas revistas desse tipo nesse ínterim, chamada The Odyssey Review. Agora estamos revivendo outro excelente quarterly, The Kenyon Review. Já saíram dois números e no próximo sairá um trecho da tradução que fiz do livro de Osman Lins, Avalovara. De certa forma, estamos revivendo também a ideia que presidiu a criação que nós, umas cinco pessoas, tínhamos ao fundar a Odyssey Review: incluir sempre duas criações de autores europeus e duas de autores latino-americanos traduzidas em cada número”.

LGR: Que autores tinham sido selecionados então?

GR: “No primeiro número, dedicamos todas as páginas ao Brasil: contos de Clarice Lispector, poemas de Carlos Drummond de Andrade, uma história de Dinah Silveira de Queiroz e outros brasileiros de cujos nomes não me lembro agora. Aí, depois que”cobrimos” o Brasil, íamos fazer uma segunda incursão pela América Latina e sua literatura, quando a revista, infelizmente, fechou, justamente quando pretendíamos dedicar um segundo número inteiro ao Brasil. De qualquer maneira, eu já tinha o material pronto: eram as Novelas Nada Exemplares de Dalton Trevisan. Até 1962, eu nunca tinha ouvido falar desse nome, mas como este seu livro estava causando muitos comentários entre os leitores e a crítica brasileira, eu o comprei e aí disse a mim mesmo: “Ah! Isto é original!””

LGR: Foi o primeiro livro dele, não?

GR: “Sim, o primeiro e desde então fiquei sempre muito atento a tudo que saísse publicado com o seu nome. Como a Odyssey tinha terminado, publiquei as Novelas Nada Exemplares em outra revista literária quadrimestral. Depois, quando fizemos uma antologia de Dalton Trevisan para ser publicada pela editora Knopf, de Nova York, quatro ou cinco contos ficaram de fora, que depois encontraram guarida em outros quarterlies. De qualquer maneira, selecionamos contos de vários livros de Trevisan e demos o título genérico de O Vampiro de Curitiba e Outras Histórias, porque achamos que era um título chamariz, capas de despertar a atenção do leitor norte-americano, pois nos Estanos Unidos é muito difícil vender coletâneas de contos, por isso o título parecia um pouco jazzy e atrairia leitores.”

LGR: E o público leitor nos EUA aderiu à ideia?

GR: “Não. Talvez entre a intelligentsia, sim, e é o que acontece em geral com ótimos livros estrangeiros nos EUA: os leitores são terrivelmente chauvinistas, isso sucede até com livros ingleses, escritos, portanto, na mesma língua, que não conseguem tanta repercussão quanto um livro norte-americano. Acho que o leitor médio quer cer retratada em um livro uma situação que ele conhece, que lhe é já familiar.”

LGR: A que se deve essa atitude num país feito de tantos países e tantas etnias?

GR: “É por provincianismo mesmo. Mas, veja: todos os que cultivam suas raízes étnicas não leem livros: comem espaguete, bebem kvass, a comida é conservada, como tradição”cultural” étnica, mas o livro não entra. Quando os italianos comemoram, por exemplo, o Dia dos Americanos Descendentes de italianos, nunca se mencionam Dante ou Puccini…”

LGR: É só pizza?

GR: “É só pizza, espaguete, tarantela.”

LGR: E nem menção de Leopardi?

GR: “Nada de Leopardi!”

LGR: Mas para voltarmos a Dalton Trevisan: o sr. continuou a admirar a criação literária do contista paranaense depois que o leu pela primeira vez?

GR: “Pos é: não me lembro bem das circunstâncias, mas sei que o velho Alfred (Knopf, editor norte-americano que lançou Jorge Amado e vários outros escritores brasileiros) vinha constantemente ao Brasil e mantinha sempre os ouvidos bem abertos para qualquer assunto interessante para a sua editora, atento às recomendações que seus colegas, os editores brasileiros, lhe faziam, porque você sabe que o Alfred Knopf não sabe ler português, mas ele voltava a Nova York e me relatava o que lhe tinham dito.”Disseram-me que Fulano e Sicrano são bons autores. E esse tal de Dalton Trevisan?” Eu respondi: ele é maravilhoso! Creio que ouviram a opinião de mais alguém sobre Dalton Trevisan e decidiram publicá-lo em inglês. Perguntaram se eu queria traduzi-lo e concordei imediatamente pois eu sempre gosto de traduzir um livro de que eu goste, só em circunstâncias de aperto financeiro é que aceito traduzir um autor que não admiro… No caso do Dalton, não, tratava-se de um escritor que eu mesmo já tinha recomendado e foi então a combinação perfeita. A mesma coisa aconteceu com o Avalovara de Osman Lins, sobre o qual eu tinha escrito uma resenha altamente elogiosa e que depois me coube traduzir. Eu acho que fiquei impressionado com Avalovara porque eu já traduzi tanta coisa de Júlio Cortázar que encontrei paralelos com a obra de Osman Lins: são as mesmas ruas de Paris que os dois autores, o pernambucano e o argentino, percorrem com seus personagens. O mesmo acontece com o romance Black Boy de Richard Wright: as ruas de Paris parecem logo ser nossas velhas conhecidas…”

LGR: Mas para voltarmos a Dalton Trevisan: o que lhe parece característico do autor de O Vampiro de Curitiba? Qual a sua contribuição literária especificamente nova?

GR: “Acho que a primeira coisa que causa impacto no leitor é o talento para escrever que o caracteriza. Não conheço nenhum escritor mais consciente do que ele: Dalton Trevisan não desperdiça palavra; é a concisão dos seus contos uma concisão lucidamente voluntária, que desconcerta muita gente ao primeiro contato, mas que eu considero extraordinariamente eficaz. Ele me faz lembrar do Padre Vieira que numa de suas cartas ao rei de Portugal termina desculpando-se por ter escrito quinze páginas porque não tivera tempo para torná-la mais curta… Além disso, é o seu humor negro ,que existe em grande quantidade em seus contos e também aquela visão ignóbil da vida, ele discerne a mesquinhez da vida diária, que poucos autores se atrevem a reconhecer, a vida, para ele, é sórdida, tem seus aspectos vis, o que é raro: a maioria dos outros escritores não procede assim; prefere dotar um único personagem de toda a maldade. Mas, quando se lê Dalton Trevisan eu pensei no livro que Hannah Arendt escreveu sobre os nazistas, sobre o processo contra Eichmann, onde ela fala da banalidade do Mal e acho que nos livros de Dalton Trevisan comprovamos isto: que essas vidas banais que ele descreve são fundamentalmente vidas permeadas de maldade, de mesquinhez cotidiana. Por sorte, a maldade não afeta o mundo inteiro como a maldade dos nazistas: fica tudo restrito ao ambiente familiar em que os personagens agem. Eu me lembro de uma frase dele, segundo a qual ele estava escrevendo a Ilíada doméstica ou conjugal, algo assim, que é o tipo de crueldade mais restrito existente.”

LGR: Ou um canto do Inferno de Dante em Curitiba… Principalmente os velhos são mesquinhos, maus ou vítimas da maldade e da sordidez alheia, não é, nos contos do Trevisan?

GR: “É, os velhos são os mais impressionantes porque são tão inteiriços nas sua maldade e inescrupulosos nas suas ações pavorosas que surgem num contexto de chavões de total mediocridade.”

LGR: Tudo faz parte da subcultura kitsch da tradição pequeno-burguesa urbana do Brasil.

GR: “Exato, e acho que a atitude dessa pequena burguesia urbana brasileira está um pouco atrasada com relação ao segmento social equivalente nos EUA. São valores ruais que ainda prevalecem aqui e ali, esparsos na parte rural dos EUA, mas que tendem a desaparecer, como aquele nacionalismo extremado de ser tudo 100% americano.”As American as apple pie” (tão norte-americano quanto à torta de maçãs), tudo tem de ser “saudável, 100% americano, as pessoas têm de ser corretas” e na verdade não é nada disso…”

LGR: Essa visão idealista da American Way of Life fois abatida?

GR: “Sim, caiu por terra. Hoje as pessoas nos EUA mostram-se mais cínicas, mais céticas…”

LGR: Por causa da guerra do Vietnam?

GR: “Não sei… Acho que é um cansaço geral… É uma aparência que não se consegue manter mais intacta…”

LGR: O Super-Homem deixou caiu a máscara, é isso?

GR: “É isso, sim, em parte, descobrir-se que o Imperador está nu… Isso sucedeu até durante a própria guerra do Vietnam, quando os próprios advogados da intervenção norte-americana no Sudeste asiático não estavam muito entusiasmados com essa causa… É o que acontece com o Dalton Trevisan: ele já parte de uma visão negativa do ser humano, não pessimista, mas reconhecendo francamente que o homem também pode ser cruel, mesquinho, pequeno. Não, não acho que o Saul Bellow seja comparável, Saul Bellow é mais intelectualizado, talvez os contos de John Cheever se pareçam mais, mas Cheever lida com pessoas de uma classe social superior, debatendo-se em meio ao tédio e à rotina massacrantes que constituem a matéria-prima para que eles se suicidem ou se vejam perseguidos pela ideia do suicídio como saída…”

LGR: Não sei se o próprio Dalton Trevisan concordaria, porque os críticos às vezes acertam no alvo, às vezes, não, mas me parece que há na visão filosófica do Dalton alguma coisa de intensamente puritano na maneira de ele lidar com o sexo, não concorda?

GR: “Ah, sim!”

LGR: Há uma atmosfera quase que faulkneriana, gótica, de morbidez e depravação conscientes…

GR: “Sim, principalmente a atitude do Dalton Trevisan com respeito à prostituição me parece terrivelmente gótica, são cenas vitorianas. Você conhece o livro de Steven Marcus…”

LGR: The Other Victorians (Os Outros Vitorianos)?

GR: “É, The Other Victorians, que retrata isso mesmo, os verdadeiros vitorianos, puritanos em assunto sexual na aparência, mas às escondidas entrando em verdadeiros delírios de depravação sexual: é esse o sentido vitoriano das estórias do Dalton: Jack, o Estripador é aquela terrível, no sentido bom da palavra, história, em que durante a Páscoa, Nelsinho o personagem-chave de Dalton Trevisan, está procurando uma puta e, é claro, na Sexta-Feira Santa todos os bordéis estão fechados. Então o que ele faz? Nelsinho vai à igreja e depara com uma garota dessas que usam casacos de couro, e há uma cena em um cenotáfio, um monumento sepulcral, para onde vão os dois e aí acontece um fracasso qualquer e é um momento imensamente pervertido e a maioria das cenas sexuais de Dalton Trevisan é, se não pervertida, pelo menos perversa.”

LGR: Ou pelo menos elas demonstram sempre um subjacente sentimento de culpa com relação ao sexo e ao prazer sexual, não?

GR: “É verdade, mas isso é um traço que eu encontro geralmente na literatura latino-americana: o sexo é um tema muito difícil para os autores latino-americanos. Não sei por quê. A impressão que sem tem é a de que os latino-americanos deveriam ser mais livres do que os protestantes norte-americanos, do que o mundo vitoriano dos anglo-saxões, mas quem sabe estes já se libertaram do puritanismo? O que não acontece com os escritores latino-americanos: de modo geral, as cenas de sexo parecem um pouco forçadas, artificiais ou pervertidas. É o caso de La Casa Verde, de Mário Vargas-Llosa. Parece que quem encara o sexo de forma saudável é Gabriel Garcia Márquez…”

LGR: E Jorge Amado também…

GR: “E Jorge Amado também: para eles dois, o sexo é considerado como uma coisa boa, que deve ser saboreada de forma sadia e total. Cortázar também me parece que tem os dois aspectos: há cenas horríveis de sexo, nada sadias, sem retribuição do parceiro, o sexo tornou-se um problema pessoal de muitos dos seus personagens, para outros, não.

LGR: O sr. acha que isso se deve à influência da Igreja Católica e sua lista de pecados originais?

GR: “Penso que não, porque há países católicos como a Itália, por exemplo, e a França também, onde essa influência não se estende à literatura erótica, desde o Decameron até Elsa Morante, Morávio e outros contemporâneos.”

LGR: Então nós, latino-americanos é que não encaramos o sexo de forma espontânea nem o saboreamos de forma natural?

GR: “Acho que há razões obviamente sociais para essa atitude. Há repressões na estrutura social latino-americana, até de natureza política, que concorrem todas para esse clima. Por exemplo: a ideia da ditadura pode ter ramificações sexuais. Já os países de tradição anglo-saxônicas o conceito de imposição de uma ditadura ao povo não existe. O homossexual, por exemplo, não aparece frequentemente na literatura latino-americana. Mas, ao mesmo tempo, o homossexualismo está sempre presente, subentendido como preocupação maior. Refiro-me a Cuba: a Revolução Cubana de Fidel Castro pretendeu abolir este preconceito e depois aquele outro preconceito, mas o antiquíssimo preconceito que não aboliram foi o preconceito machista contra o homossexual. Vários escritores cubanos tiveram problemas com o regime castrista, não por motivos políticos, mas por serem homossexuais. Muitos deles acabaram nas prisões por essa razão. Como se as autoridades dissessem: vamos liquidar com essa minoria. E me lembro de que todas as piadas cubanas tomam como base sempre o maricón, o homossexual, o que mostra o quanto isto preocupa a consciência cubana: maricón é o palavrão mais frequentemente usado, em vez de pendejo, por exemplo.”

LGR: No entanto, duas obras-primas da literatura contemporânea da América Latina tratam, ainda que de forma oblíqua, do homossexualismo: Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e Conversación em la Catedral, de Mário Vargas-Llosa, não?

GR: “Sim, mas são obras excepcionais, ao contrário dos EUA, onde há muitas e muitas obras mais, escritas por escritores homossexuais, se quisermos defini-los assim.”

LGR: O sr. acha que é justa a acusação que muitos fazem à insistência de Dalton Trevisan em focalizar em todos os livros sempre as mesmas personagens, em situações ligeiramente diferentes?

GR: “Não, embora elas tenham até os mesmos nomes, João e Maria. Cada vez ele está analisando uma faceta diferente delas. São sempre os mesmos Joões e Marias, mas superpostos dão um retrato coletivo do mesmo João e da mesma Maria, vistos sob diferentes aspectos. Isto é: podem aparecer nos contos cinco Joões e cinco Marias diferentes, mas na realidade são as mesmas pessoas em situações diversas, ou vistas de lados diferentes.”

LGR: É interessante porque geralmente um dos Joões é um velho sátiro, libidinoso, que tenta seduzir mocinhas colegiais. Depois há o João, provavelmente já impotente e velho, que é atormentado pela mulher. Mas nessa Guerra Conjugal, essa Ilíada doméstica, parece que as pessoas nunca saem desse inferno sartreano?

GR: “Ah, sim, são pessoas que caíram irremediavelmente numa armadilha da qual não conseguem livrar-se: muitas vezes a morte é a única saída. É raro, porém: na maioria das vezes elas planejam matar-se mutuamente, mas geralmente não conseguem seu intento, a não ser, excepcionalmente, num conto como o intitulado”Dia de Matar Porcos”, em que a Maria consegue matar o marido João, mas não fica claro se foi um acidente ou se ela tinha realmente a intenção firme de matá-lo, ou só de pregar um susto nele.”

LGR: Muitas vezes as histórias de Dalton Trevisan me recordam as de The Dubliners (Os Dublinenses) de James Joyce: o mesmo sentimento católico dos pecados capitais que os habitantes de Dublin, ou Curitiba, não lhe ocorre isso?

GR: “É verdade: tanto para os dublinenses como para os curitibanos há essa sensação de pessoas asfixiadas em um ambiente do qual não podem sair, estão presas como que por uma condenação ou maldição. No Brasil dos contos de Trevisan, sente-se também o peso do veio católico da impossibilidade de conseguir um divórcio, diante da irredutível indissolubilidade do casamento. Os pobres não podiam se separar: os ricos podiam obter um desquite, mas os pobres João e Maria estavam amarrados um ao outro pela canga do casamento indissolúvel. Não é a camada mais baixa da população em que o marido simplesmente abandona a esposa. Não: Trevisan focaliza uma camada mais alta da pequena burguesia em que”não fica bem”, “não se usa” o marido abandonar a esposa, por isso eles não têm saída: nem desquite nem a opção de uma amante – são personagens presos numa redoma e ponto final.”

LGR: O sr. já se encontrou pessoalmente alguma vez com o Dalton Trevisan?

GR: “Nunca. Sei que ele vive escondido em Curitiba e nunca dá entrevistas a ninguém. Ou melhor: deu uma, há uns 20 anos atrás, não sei se foi para a revista Manchete ou Cruzeiro, mas depois se arrependeu amargamente, a entrevista foi desastrosa.”

LGR: Por quê? Ele revelava coisas muito íntimas sobre ele mesmo?

GR: “Não, ele falava mais do seu trabalho. E quando lhe perguntaram quando é que em vez de contos ele ia escrever seu grande romance, ele respondeu que escolhera justamente o caminho contrário: queria escrever de maneira cada vez mais concisa, até chegar a escrever o perfeito hai-ku.”

LGR: Mas como o sr. deve estar lembrado, essa foi também a trajetória escolhida por Guimarães Rosa: escrever cada vez menos para dizer cada vez mais. Depois de Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile suas histórias se tornam cada vez mais sucintas, até atingir um estilo quase telegráfico, não é?

GR: “É, suas estórias finais são muito curtas, curtíssimas.”

LGR: E já que falamos de Guimarães Rosa: por que nos Estados Unidos os que conhecem Grande Sertão: Veredas no original não pedem, unanimemente, que se faça uma nova tradução dessa obra-prima, desfigurada pelas horrenda e criminosa “tradução” da Harriet de Onis?

GR: “Já se abordou essa questão na editora Kampf. O que eles temem é a questão econômica: terão dinheiro suficiente para lançar outra tradução? E depois, mesmo que tivesse, quem se atreveria a traduzir Grande Sertão: Veredas?”

LGR: Não tenho certeza, mas creio que foi o professor de literatura latino-americana Jim Irby, atualmente na Universidade de Princeton, que me contou que dava um seminário, todos os anos, na Universidade do Texas, exclusivamente sobre os erros de tradução de Grande Sertão: Veredas cometidos impunemente por Harriet de Onis, sabia disso?

GR: (rindo) “É, parte do problema é encontrar quem se atreva a traduzir Grande Sertão: Veredas bem e consiga sobreviver a essa empreitada terrível!”

LGR: E durante esses anos em que o sr. tem dado aulas sobre literatura brasileira e traduzido vários autores brasileiros, o sr. tem notado que lentamente os norte-americanos percebem que existe uma grande literatura brasileira ainda desconhecida nos EUA?

GR: “Lentamente, sim, mas muito lentamente. A dificuldade principal é a mania que os norte-americanos têm de englobar o Brasil num conglomerado imenso e amorfo chamado”literatura latino-americana”. Isso força a cultura brasileira a se encaixar numa estrutura falsamente homogênea e a desempenhar um papel muito menor do que o merecido pela literatura e outras artes no Brasil. Machado de Assis é que se tornou com o passar do tempo um clássico. Eu acho que os três autores latino-americanos considerados grandes pelos norte-americanos são Machado de Assis, Gabriel Garcia Márquez e Borges. Jorge Amado é lido amplamente e gostam dele, mas os críticos sérios não o colocam no mesmo nível que Machado de Assis ou Borges.”

LGR: Qual é a sua opinião pessoal sobre Jorge Amado como escritor?

GR: “Eu gosto dele. Acho que seu defeito é escrever rápido demais e com extrema facilidade. Ele é um contador de histórias tão excepcional que desperdiça ideias e temas excelentes. Nos seus romances iniciais há muito menos estilo, mas muito mais substância do que nos que ele escreveu depois: era um escritor mais interessante. Gabriela, Cravo e Canela me parece talvez o melhor, mas gostei também de Tenda dos Milagres, em que ele prega na parede sem subterfúgios a velha controvérsia de que no Brasil não há preconceitos raciais e mostra, ao contrário, até que ponto era forte o preconceito racial na Bahia.”

LGR: No que ele se mostrou muito corajoso.

GR: “Sim, porque contrariou a visão oficial, da mesma forma que alguns autores cubanos desmascararam essa farsa também em Cuba.”

LGR: E como foi que o sr. se interessou tanto pela literatura brasileira?

GR: “Quando eu estava frequentando a universidade, tive um professor de espanhol que nasceu em Nantuckett, no Estado de Massachussetts. Em Nantuckett, esse yankee, portanto, uma pessoa que não é de origem portuguesa, aprendeu o português com os pescadores portugueses e suas famílias, que existem, numerosos, nessa região da Nova Inglaterra. Ele ensinava português a uns 15 alunos, e quando fui para a Columbia University continuei a estudar português. Eu quis sair da maioria esmagadora de alunos que se formavam em literatura espanhola ou hispano-americana. Minha tese sobre”O Negro na Literatura Brasileira”, Eduardo Portella publicou na revista Tempos Brasileiros, em 1966, acho. Foi uma tese que escrevi em 1954 e que para, cronologicamente, em Jorge Amado e Lins do Rego, eu precisaria atualizá-la. Comecei com Lima Barreto que me encheu de orgulho quando eu o descobri sozinho, embora a sua obra esteja esgotada a maior parte do tempo.

Em minha dissertação doutoral, eu falo dos dois temas-tabu na literatura brasileira: o racismo e o machismo. Mas hoje preciso rever tudo à luz dos novos escritores e certificar-me de que continuam a ser temas proibidos ou se hoje já se fala abertamente deles. Será um trabalho estafante, terei tempo para tanto?”

Reuso

Citação

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Por favor, cite este trabalho como:
Gilson Ribeiro, Leo. (1979–9AD) 2023. “A perfeição contundente e sublime dos contos de Trevisan. Segundo o seu tradutor nos EUA (entrevista a Gregory Rabassa).” In Grandes contistas brasileiros do século XX, edited by Fernando Rey Puente. Vol. 10. Textos Reunidos de Leo Gilson Ribeiro. https://doi.org/10.5281/zenodo.8368806.